A política fiscal desse governo é fechar as contas pelo lado da receita, simples assim
Reforma tributária e política fiscal são coisas diferentes.
A reforma tem a ver com quantos e quais são os impostos, e sua mecânica e eficiência.
Não é fácil para uma coletividade (ainda mais a nossa, uma federação) organizar racionalmente algo que ninguém gosta. O nome da coisa é imposto, e não voluntário, conforme o velho clichê. O nosso sistema está atolado de distorções e precisa de reforma. Várias delas.
Nessa etapa, trata-se de racionalizar e simplificar os impostos sobre o consumo, uma empreitada que está se revelando mais gigantesca do que se esperava.
Todos concordam, não obstante, que a reforma é para ser neutra do ponto de vista da arrecadação, ou seja, não é para ajudar nem atrapalhar o equilíbrio nas contas públicas. Esse princípio está em linha com a ideia de que a reforma tributária não se confunde com o problema fiscal, assunto da esfera do Orçamento, e pertinente à sustentabilidade da dívida pública e ao tamanho do Estado.
As definições do governo sobre esses temas, ultracomplexos e de enorme carga político-ideológica, compõem o que os livros-texto normalmente designam como política fiscal.
Reforma tributária e política fiscal não se misturam sem se atrapalhar mutuamente.
Dito isso, vamos a um fato da vida: esse governo parece inclinado a resolver o problema fiscal brasileiro aumentando os impostos e não reduzindo o gasto público e o tamanho do Estado. É uma escolha.
É uma opção perfeitamente legítima de um governo eleito, e não há razão para pudores, como o do ministro que gagueja ao reafirmar que não vai aumentar os impostos, apenas “corrigir distorções”.
A política fiscal desse governo é fechar as contas pelo lado da receita, simples assim. E todos os especialistas que se debruçaram sobre o “arcabouço” tiveram essa mesma impressão. Não há mistério sobre isso.
Não acho que seja a melhor opção, tampouco que vá funcionar. Mas isso não passa da minha modesta e minúscula opinião.
Outro fato da vida: antes do Plano Real a inflação era de esquerda. Pois era como se fechava as contas naqueles tempos doidos, pintar papel para fazer políticas sociais que corrigiam parcialmente os males que a própria inflação criava. Enxugar gelo.
A esquerda era inflacionista e populista. Depois abraçou a heterodoxia, quando descobriu o congelamento de preços, e combateu a estabilização baseada em disciplina fiscal. Isso e mais um keynesianismo que vinha das empreiteiras produziu uma hiper.
Mas as coisas mudaram. A esquerda busca um plano para a economia. Enquanto procura, uma coisa é clara: fechar as contas pela esquerda hoje significa aumentar os impostos.
Acostume-se.
Gustavo Franco, o autor deste artigo, é economista. Participou da feitura e implantação do Plano Real. Publicado originalmente n'O Globo, em 24.09.23
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