domingo, 20 de agosto de 2023

Advogados complicam Bolsonaro e Cid

Para integrantes das investigações, defensores de ex-presidente e ex-ajudante de ordens fizeram "confissões" em entrevistas cheias de contradições e lacunas

Depoimento para CPMI do golpe do tenente-coronel Mauro César Barbosa Cid, ex-ajudante-de-ordens do então presidente Jair Bolsonaro. — Foto: Lula Marques/ Agência Brasil

Na cena final do filme O Advogado do Diabo, de 1997, o personagem de Al Pacino diz: "A vaidade é, definitivamente, meu pecado favorito!". É difícil entender se foi a vaidade que levou dois advogados, Cezar Bittencourt, que representa o tenente-coronel Mauro Cid há poucos dias, e Paulo Cunha Bueno, defensor de Jair Bolsonaro, a passarem horas dando entrevistas à GloboNews nesta sexta-feira expondo contradições e lacunas nas suas teses de defesa e, muitas vezes, confirmando aspectos que certamente serão usados pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal para fechar as conclusões do caso das joias ofertadas ao ex-presidente como chefe de Estado e que foram levadas para seu acervo pessoal, vendidas e recompradas no exterior.

"Eles confessaram tudo", disse ao blog um integrante das investigações. "Não que precisasse. A prova documental é mortal. Mas facilitaram", concluiu a fonte.

Não foram poucas as contradições de um e de outro. Bittencourt, que afirmou ter se encontrado uma única vez com seu cliente e não conhecer o teor dos muitos processos a que ele responde, não só tem falado com todos os veículos nos últimos dias como tem se permitido tecer considerações a respeito da inexperiência dos advogados que o antecederam. Na entrevista ao programa Estúdio I, da GloboNews, admitiu ter conversado com o advogado de Bolsonaro.

Deixou, portanto, a brecha para que se especule se foi isso que o fez ir e voltar nas versões que deu a respeito da conduta do cliente no caso da venda e posterior recompra do relógio Rolex ofertado a Bolsonaro pelo governo saudita. Na mesma entrevista, ele disse pretender blindar o pai de Cid, o general Lourena Cid, de culpa, e temer por ameaças que poderiam recair sobre a mulher do ex-ajudante de ordens.

Já o advogado de Bolsonaro expôs logo de cara uma contradição entre sua principal linha de defesa -- a lei permitiria que o ex-presidente se apossasse de joias dadas como presentes a um chefe de Estado e, inclusive, revendê-las -- e suas próprias orientações ao cliente, além das declarações recentes do próprio Bolsonaro.

Se era permitido, por que toda a epopeia para vender escondido no exterior, não depositar o produto da venda em contas bancárias, envolver um general no transporte dos recursos e, depois, ele mesmo orientar Bolsonaro a devolver as joias? O que, aliás, suscitou a corrida para recomprar o relógio por um valor maior que o da venda, e usando o indefectível Frederick Wassef na operação, de novo sem declarar nada à Receita?

Os jornalistas trataram de desnudar, uma a uma, todas as fragilidades da defesa de ambos. Diante das evidentes lacunas, eles fingiam um ar blasé como se aquilo não fosse relevante, ou como se não houvesse buracos.

Se esquecem que, na ponta da linha dessa investigação, estará Alexandre de Moraes, que não é alguém exatamente fácil de enrolar. As recentes ações da PF, do MPF e da Justiça mostram que não haverá trégua nos dois fronts em que Bolsonaro está implicado judicialmente, sobre os quais tratei na coluna desta sexta-feira em O GLOBO: o dos ataques à democracia e o dos crimes contra o patrimônio público.

A respeito da concomitância dessas duas linhas, ouvi da mesma fonte que considerou um desastre para a defesa o rally de entrevista dos advogados a seguinte avaliação: os ataques à democracia, como o 8 de Janeiro e as andanças do hacker Walter Delgatti, são mais grave e têm mais potencial punitivo, mas o caso das joias já estaria "sacramentado". Depois de hoje, ainda mai.

Vera Magalhães, a autora deste artigo, é jronalista - colunista de O Globo. Publicado originalmente em 18.08.23

Nenhum comentário: