sexta-feira, 4 de agosto de 2023

A roupa nova do hacker

Tem algo de pequeno, de tacanho, nesse arco dos últimos dez anos da política brasileira

Hacker de araque passou a perna em Zambelli e expôs o ridículo da política brasileira

Gente como Nelson Rodrigues ou Dias Gomes faz falta, sabe? Eles tinham essa habilidade de olhar para aquilo que há de ridículo, na vida brasileira, e ressaltar. Sublinhar, nos expor. Esse personagem que não vai embora da vida pública, o hacker de Araraquara, talvez fosse apresentado de forma muito diferente por um ou por outro. Mas ambos mostrariam o que devia estar evidente. Tem algo de pequeno, de tacanho, em essência de ridículo nesse arco dos últimos dez anos da política brasileira.

Não temos mais um Nelson ou um Dias porque não seria possível com os humores correntes.

Hoje, tudo é muito sério, tudo muito grave, tudo precisa ser denunciado. Ninguém é ridículo. As pessoas podem ser violentas, criminosas, intolerantes, racistas, misóginas, até fascistas. Mas nunca são ridículas. A ridiculez nunca é perigosa. É quando o menino grita que o rei está nu que aquilo muito grave se mostra pelo que realmente é. Não grave, pois ridículo.

Nada envolvendo o hacker de Araraquara tem como ser grave. Porque ele não é um hacker. É um estelionatário que aprendeu uns truques na internet. Walter Delgatti tentou acessar mensagens de meia República. Conseguiu fazer isso num só caso, o do então procurador Deltan Dallagnol. Conseguiu porque o procurador responsável pelo caso mais delicado da história da Nova República foi irresponsável. Jamais ocorreu a Deltan que ele deveria se preocupar com segurança digital. Um hacker de meia tigela foi lá e pegou tudo, precisando apenas saber seu número de telefone.

O fato de que, a partir daí, mostrou-se que na Lava Jato havia conluio entre juiz e Ministério Público só acentua o ridículo. Deltan, Bíblia numa mão, PowerPoint na outra e todo o moralismo do planeta sobre os ombros, foi completamente irresponsável. Ter sido exposto por um hacker de araque sublinha o ridículo. Afinal, ilumina a frouxidão dos métodos.

Se a Polícia Federal estiver certa e a deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) tiver pedido não só que ele quebrasse a urna eletrônica, como atacasse ministros do Supremo, violando a segurança digital de seus servidores, será um espanto. Quer dizer que Zambelli e outros, dentro do bolsonarismo, olharam para Delgatti e realmente o confundiram com um hacker. O sujeito deve ter cobrado um bom dinheiro para fazer o que não seria capaz de entregar. Porque, diferentemente do Telegram do procurador, a urna eletrônica é séria e emitir mandado de busca ou de prisão, como queria a deputada, não é coisa para amadores.

Zambelli, como Dallagnol, não é séria. Como Bolsonaro não é sério. O vigarista do interior passou a perna neles todos. Isso diz tanto sobre um Brasil que se acha sério demais.

Pedro Dória, o autor deste artigo, é jornalista e escritor. Publicado originalmente n'O Estado de S. Paulo, em 04.08.23. (E-mail: coluna@pedrodoria.com.br; Twitter: @pedrodoria JORNALISTA)

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