segunda-feira, 3 de julho de 2023

A coisa pública

A busca incessante pelos favores do erário reflete a fraqueza das nossas instituições republicanas, ainda mais seus agricultores. A conta, no final, fica com o contribuinte. Mas não é só isso.

O IBGE divulgou recentemente o desempenho do PIB no primeiro trimestre de 2023. O grande destaque foi a agropecuária, que cresceu nada menos que 18,8% em relação ao mesmo período do ano passado. Os mais entusiasmados (e menos afeitos à matemática) dizem que o setor carrega a economia brasileira nas costas. Não é assim, mas não deixa de ser um crescimento exuberante. A estimativa é de uma safra de 305 milhões de toneladas, 16% maior que em 2022.

Na semana passada, o presidente Lula anunciou em grande estilo o financiamento do Plano Safra 2023/2024. Serão R$ 364,2 bilhões apenas para médios e grandes produtores, 27% a mais que no ano passado. Mais de R$ 100 bilhões serão oferecidos a taxas de juros subsidiadas, que podem chegar a 7% ao ano. Sim, o Tesouro arca com benefícios para que a agricultura pague juros mais baixos. Prevê-se um custo de R$ 5,1 bilhões apenas para a agricultura empresarial. O setor pedia muito mais. É preciso? Talvez não, mas o setor alega que outros países subsidiam

Foi aprovada no Senado a prorrogação da desoneração da folha de salários para 17 setores da economia, supostamente os que mais empregam. Decerto o 18.º se lembrará de uma das famosas leis de Murphy (“na minha vez, muda”). O subsídio, que começou no governo Dilma Rousseff em 2011, custa bilhões por ano e não há nenhuma evidência de que tenha impacto relevante sobre o nível de emprego. É só mais um benefício. O contribuinte, constrito, paga.

Também tivemos o recente apanágio aos carros que são populares entre as pessoas ricas. Aqui a agravante é que foi uma iniciativa espontânea do governo petista, apenas uma homenagem à íntima relação que mantém com o setor automobilístico desde priscas eras (lembremos que um ex-presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) foi ministro da Indústria do presidente Lula da Silva em 2007). Sem nenhuma cerimônia, a Volkswagen, ingrata, anunciou a paralisação de suas linhas de produção. O subsídio aos carros confronta os esforços do ministro Fernando Haddad para equilibrar as contas públicas e em nada contribuirá para a retomada sustentável do crescimento. Serve apenas para colocar o rico no Orçamento.

Assim vamos, de sinecura em sinecura. Há muitos outros exemplos. Todos os apaniguados têm teses meritórias para justificar o que lhes parece um direito absoluto, inquestionável. São distorções de um capitalismo poroso, onde a distinção entre público e privado é fosca e a busca incessante pelos favores do erário reflete a fraqueza das nossas instituições republicanas. 

Luís Eduardo Assis, o autor deste artigo, é  economista, foi diretor de Política Monetária do Banco Central e professor de Economia da PUC-SP e FGV-SP. Escreveu 'O Poder das Ideias Erradas' (ed. Almedina). E-mail: luiseduardoassis@gmail.com. Publicado originalmente n'O Estado de S. Paulo, em 03.07.23

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