Seria uma lástima se Lula e Biden desperdiçassem a oportunidade de serem sal da terra e luz do mundo, com a bênção do papa e o aplauso da comunidade mundial
Visto de Washington, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não fez amigos nem influenciou países no acanhado começo de seu inusitado terceiro mandato no Palácio do Planalto. Ao contrário, desapontou aliados tradicionais na Europa e nas Américas ao persistir na conhecida trilha das oportunidades perdidas, que vai no sentido oposto do objetivo declarado de promover o interesse nacional e fazê-lo projetando a liderança do Brasil em temas centrais para nós e nossos vizinhos. Quem sabe as bênçãos de Santo Antônio, São João e São Pedro iluminarão o caminho do presidente e o ajudarão a colher bons frutos em sua próxima viagem internacional, este mês, durante as festas juninas.
Em Paris, Lula tratará com seu colega francês, Emmanuel Macron, de dois assuntos que estão no topo na agenda internacional: a guerra deflagrada pela injustificável invasão da Ucrânia pela Rússia, a primeira entre duas nações europeias desde o fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945; e o urgente desafio de conter as mudanças climáticas e preservar o meio ambiente – este tema da primeira encíclica do papa Francisco, que pede um envolvimento substantivo do Brasil. Ambas as discussões continuarão no Vaticano, com votos de sucesso dos amigos do País ao redor do mundo.
O que fará Lula? Adiará a escolha e correrá o risco de perder o bonde da História, calculando que o País será chamado à mesa de negociações quando a realidade as impuser? Se esse cálculo se comprovar correto, o que o Brasil aportará, além de boas intenções e capacidade diplomática? Mas, se o cálculo se mostrar equivocado e o País for alijado das conversas, por irrelevante ou não confiável, hoje um cenário plausível, o que fará o presidente?
Não há respostas prontas para essas perguntas, até porque elas só terão credibilidade se resultarem de um debate interno que o País até hoje não teve fora dos rarefeitos círculos acadêmicos e intelectuais. Fazê-lo agora, para começar, impõe o difícil reconhecimento de que o Brasil diminuiu de tamanho relativo na última década, especialmente durante o abjeto governo de Jair Bolsonaro, e terá de encontrar seu caminho num ambiente internacional muito diferente daquele no qual Lula ascendeu ao poder na primeira década do século.
As escolhas que Lula fez até agora, com a ajuda de seu assessor internacional, o ex-chanceler Celso Amorim, claramente não foram satisfatórias para uma parcela importante dos eleitores que o levaram ao poder num país dividido e polarizado. A demora em condenar a criminosa invasão russa da Ucrânia e o desejo de ficar em cima do muro em nome de uma suposta neutralidade expuseram a pusilanimidade nacional ao mundo, que esperava mais da maior democracia do Hemisfério Sul. Nos EUA, onde os funcionários mais e melhor conhecem o Brasil, a decepção veio à tona em declarações públicas hostis de ex-diplomatas e comentários de gente influente no Executivo e no Congresso. Resumindo, o Brasil deixou de reconquistar o espaço que perdeu durante o calamitoso governo de Bolsonaro e terá a missão de Sísifo para reparar o mal feito.
Some-se a isso uma pronunciada queda de interesse pelo País em Washington, o que dificulta a construção de agendas positivas de cooperação e investimentos. Este panorama desolador pode ser revertido por Lula, se ele tiver interesse e disposição política para tomar um rumo mais produtivo nas relações com aliados tradicionais como os EUA, sem prejudicar os laços com a China, hoje o maior parceiro comercial do Brasil.
Para tanto, o líder brasileiro terá de superar ressentimentos e preconceitos ideológicos e retomar o caminho virtuoso das escolhas corajosas que fizeram dele e do Brasil na década de 1980 exemplos a serem seguidos. Terá Lula a energia e a ousadia necessárias para reinventar-se aos 77 anos? Uma visita bem preparada à Casa Branca e um fim de semana com o presidente Joe Biden em Camp David certamente ajudariam, e por isso merecem consideração em Brasília e em Washington. Tais eventos seriam recebidos como golaços diplomáticos nos dois países e alterariam o panorama internacional de forma significativa. Abririam perspectivas de cooperação econômica, política e cultural entre as duas maiores democracias multirraciais e multiculturais das Américas, para benefício de ambas e de seus vizinhos.
Não menos importante, Biden e Lula, de 80 e 77 anos respectivamente, projetariam a vitalidade das sociedades que lideram e reacenderiam a chama da esperança num mundo melhor em dois países que ainda enfrentam as consequências de séculos da escravidão de africanos que, libertados, deram a ambos e ao mundo culturas densas e ricas nas artes, na música e na literatura. Seria uma lástima se Lula e Biden, dois homens de origens humildes, desperdiçassem a oportunidade única que a História lhes oferece de serem sal da terra e luz do mundo, com a bênção do papa Francisco e o aplauso da comunidade mundial. Não é pouco. E, quem sabe, talvez seja suficiente para o Nobel da Paz.
Paulo Sotero, o autor deste artigo, é Jornalista - pesquisador sênior do Brasil Institute no Wilspn Center, em Washington - DC. Publicado originalmente pelo O Estado de S. Paulo, em 07.06.23
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