quarta-feira, 7 de junho de 2023

O Congresso brasileiro ameaça a humanidade

O que fazer quando as decisões de um parlamento negacionista afetam o futuro de todos?

Membros de povos indígenas e organizações ligadas a movimentos indígenas se manifestam no centro de Manaus, Amazonas (Brasil). (Crédito da foto: Rafael Alves, EFE)

O Parlamento brasileiro é um exemplo da situação em que a humanidade se encontra: em um planeta em colapso climático, o futuro global é determinado por decisões locais. No Brasil, o Congresso é controlado por deputados e senadores negacionistas do clima, em parte por ignorância, em parte porque preferem enriquecer no presente imediato, em parte pelas duas razões. 

No final de maio, os deputados atacaram o Ministério do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas , liderado por Marina Silva, destruindo estruturas essenciais. Tiraram também o recém-criado Ministério dos Povos Indígenas , liderado por Sonia Guajajara, sua principal função: demarcar as terras das populações originárias. O Senado aprovou a desfiguração dos ministérios de Luiz Inácio Lula da Silva diretamente ligados à proteção da natureza. 

Na segunda-feira, Dia Mundial do Meio Ambiente, Marina Silva, que lutou quase sozinha para mudar esse quadro, chamou o desmatamento de seu ministério de "regressão". É muito mais do que isso. O ataque compromete, talvez de forma irreversível, a proteção da Amazônia.

Este é o drama. O futuro muito próximo é decidido por homens de terno, em sua maioria brancos, longe da Amazônia e de outros biomas. Sem maioria no Congresso, Lula apoiou o desmatamento dos ministérios. Os deputados da base governista nem fingiram que estavam tentando impedir a destruição. A emergência climática está longe da consciência da maioria. Embora os eventos extremos se multipliquem pelo mundo, continua sendo um assunto de gueto, mesmo para uma parte da esquerda.

Um dia antes do ataque à estrutura do novo governo, os deputados brasileiros já haviam aprovado outra atrocidade: o "marco provisório", aberração que determina que apenas os índios que estiveram em suas terras em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição, têm o direito de ter seu território demarcado. O ponto deliberadamente ignorado é que muitos indígenas foram expulsos de suas terras ou fugiram para não serem exterminados.

Com a aprovação do projeto, que ainda precisa passar pelo Senado, os deputados querem avançar com a destruição da natureza. Hoje o Supremo Tribunal Federal julga essa questão. O voto mobilizou os povos indígenas, mas deveria mobilizar toda a humanidade, pois ficou demonstrado que a Amazônia resiste onde há terras indígenas.

A democracia brasileira é precária. Se fosse uma ditadura, o risco seria ainda maior, porque os poucos contrapesos já teriam sido retirados. O Brasil caminhava nessa direção quando Jair Bolsonaro desmoralizou a presidência. Por isso os Estados Unidos de Joe Biden e parte dos governos da Europa comemoraram a vitória de Lula, que prometeu proteger a Amazônia. Mas o projeto de extrema-direita continua ativo no Congresso brasileiro e está decidindo o futuro do mundo.

Deputados e senadores negacionistas só deixarão de negar quando perderem dinheiro aqueles que financiam suas campanhas. A pressão externa deve ser muito maior. A União Européia deve prevenir de forma mais efetiva a importação de produtos do desmatamento e agir contra as mineradoras e outras corporações com bandeira de países membros que destroem a floresta e poluem os rios. A imprensa repete que o Congresso “emparedou” Lula. Nós é que estamos emparedados. E a casa está queimando.

Eliane Brum, a autora deste artigo, é jornalista. Publicado originalmente no EL PAÍS, em 07.06.23. Tradução de Meritxell Almarza . 

Nenhum comentário: