Candidato para as presidenciais de 2024 na Venezuela, Henrique Capriles afirmou que o presidente, após defender que há "narrativa antidemocrática no país vizinho", deve decidir de que lado está
Henrique Capriles, em visita ao Brasil em busca de apoio internacional em 2016Henrique Capriles, em visita ao Brasil em busca de apoio internacional em 2016 (André Coelho / O Globo)
A visita do presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, ao Brasil e, sobretudo, as declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre o país, causaram profundo mal-estar entre líderes da oposição venezuelana. Em entrevista ao GLOBO, o ex-candidato presidencial Henrique Capriles, que pretende disputar novamente a Presidência do país em 2024, afirmou que as falas de Lula foram "infelizes" e "um tapa na cara de milhões de venezuelanos", sobretudo dos setores mais vulneráveis e entre os que tiveram de abandonar o país para sobreviver. Ao receber Maduro com pompa na segunda-feira em Brasília na véspera de uma cúpula de líderes sul-americanos, Lula chamou o encontro de "histórico", responsabilizou os EUA pela derrocada econômica venezuelana e disse que as acusações de que a Venezuela não vive sob uma democracia são uma "narrativa".
"Gostaria de saber o que Lula pensa sobre a situação de nossos aposentados, e ele já está em idade de receber uma aposentadoria, que ganham menos de US$ 5 por mês", afirmou Capriles, que nas eleições de 2013, as primeiras após a morte do presidente Hugo Chávez, foi derrotado por Maduro por menos de dois pontos percentuais (50,61% contra 49,12%), resultado questionado até hoje por setores da oposição.
Como o senhor analisa a visita de Maduro ao Brasil?
Bom, Maduro estava exultante por poder estar no Brasil. Ele funciona assim, sempre com dezenas de funcionários e sempre tentando mostrar que é muito bem recebido onde vai. Mas nada disso melhora sua imagem perante os venezuelanos.
Qual a sua opinião sobre as declarações do presidente Lula sobre a Venezuela e sobre Maduro?
Para mim, as declarações de Lula foram infelizes, absolutamente infelizes. Aqui não se trata de um tema de discurso. É preciso mexer no tabuleiro político, mas isso não significa desconhecer o problema que a Venezuela vive, em matéria econômica, social, direitos humanos e uma longa lista de problemas. Que Lula diga que a situação da Venezuela é um discurso repetido no exterior, e que a realidade da Venezuela não é a que se diz, isso é uma declaração infeliz e que merece a rejeição dos venezuelanos.
Lula vem da luta dos trabalhadores, e eu gostaria de perguntar a ele sua opinião sobre os milhões de venezuelanos que tiveram de sair do país. O Brasil não é um dos países que mais recebem venezuelanos que sofrem a migração forçada, então eu diria a Lula que desse uma volta na Colômbia, Equador, Peru. Os venezuelanos nunca foram um povo que emigrava para outras terras, então, por que existem tantos venezuelanos espalhados pelo mundo? A resposta é porque não podem ter na Venezuela um trabalho estável, bem pago, para poder comer, pagar um remédio, porque o sistema de saúde pública não te dá. Gostaria de saber a opinião de Lula sobre tudo isso.
Também gostaria de saber o que Lula pensa sobre a situação de nossos aposentados, e ele já está em idade de receber uma aposentadoria, que ganham menos de US$ 5 por mês. Um litro de gasolina custa US$ 0,50. Se você vier a Caracas, verá carros importados, lojas com produtos importados, e tudo isso é consumido pelos funcionários de alta hierarquia do governo. Tudo isso é transportado em barcos, ou seja, não existe bloqueio na Venezuela.
O que opina Lula sobre isso? O que opina Lula sobre os venezuelanos que atravessam o Darién [selva na fronteira entre Panamá e Colômbia], sobretudo jovens, porque não têm possibilidade de se sustentar em seu país? De que lado está Lula? Do lado de Maduro, ou do lado do sofrimento dos venezuelanos? Sobre as sanções, podemos abrir um debate sobre se são eficientes ou não. Mas esta crise é responsabilidade de Maduro. De que país está falando Lula?
Como foram recebidas as declarações do presidente brasileiro na Venezuela?
Acho que Lula não entendeu que os tempos mudaram. A retórica da época em que eram presidentes [o equatoriano Rafael] Correa, Cristina [Kirchner, da Argentina], Lula, Evo [Morales, da Bolívia], [o venezuelano Hugo] Chávez, que era um permanente confronto com os que estivessem em desacordo com eles, dividiu seus países. O Brasil é um país dividido. Lula, pelo visto, não entendeu o que aconteceu na Venezuela. Não sou extremista, mas sua declaração foi infeliz. Lula foi eleito democraticamente, como [o colombiano Gustavo] Petro, [o chileno Gabriel] Boric, [o uruguaio Luis] Lacalle Pou. Onde não houve eleições democráticas na América do Sul? Na Venezuela.
Quem está apegado a uma retórica é ele, Lula, com desconhecimento sobre nossa realidade. Foi um tapa na cara nos milhões de venezuelanos que estão espalhados pelo mundo. Você sabe a dor que significa para a família venezuelana, os pobres, os avós que ficaram com seus netos, enquanto seus filhos trabalham em outros países? Esses venezuelanos vivem graças a remessas que chegam do exterior e já totalizam cerca de US$ 4 bilhões. Lula não percebeu isso? O que defende Lula, o status quo representado por Maduro ou a possibilidade de que a Venezuela possa se estabilizar economicamente?
Fontes do governo Lula informaram que o presidente brasileiro disse a Maduro, numa reunião fechada, que a eleição presidencial de 2024 deve ser competitiva, justa e transparente, com participação da oposição e observação internacional. Para a oposição que o senhor integra, Lula continua sendo um ator externo importante que poderia contribuir com o processo eleitoral?
Essa pergunta quem deve responder é Lula. Nós já dissemos até o cansaço que os venezuelanos acreditam no voto, somos democratas, acreditamos na expressão democrática do voto. Mas a democracia não é apenas votar. Eu votei nas últimas eleições, defendi voltar ao caminho eleitoral, estou nessa luta desde 2020. Fui crítico do governo interino [de Juan Guaidó], porque no caminho perdeu sua razão de ser e o objetivo de ter eleições, porque parece que nunca acreditaram na bandeira eleitoral.
A eleição deve ser competitiva e servir para que a Venezuela resolva sua crise política. Não pode ser uma eleição manipulada, como foi em 2018. Espero que essa luta nos aproxime de presidentes eleitos democraticamente, que lutem para que a Venezuela tenha uma solução democrática. Mas Lula só só faltou dizer que aqui existe uma campanha midiática, não correspondente com a realidade. Campanha midiática é a que sofremos todos os dias nos canais públicos, que ignoram os problemas do país. Segundo eles, não acontece nada na Venezuela. São campanhas de desinformação permanentes.
Convido Lula a estar do lado da solução, e não do problema. Esperamos do Brasil, e da região, ajuda, não ingerência, que facilitem o caminho para termos uma eleição democrática e também para a recuperação do país, que hoje é o mais desigual do continente.
A porta de diálogo com o governo Lula continua aberta?
Nós nunca nos negaremos a falar com alguém que queira ajudar o país. Não tenho preconceitos, nem uso cortinas ideológicas.
Nos últimos tempos, alguns economistas apontaram uma melhora dos indicadores econômicos do país...
A situação social é catastrófica, a ajuda do governo aos mais pobres é precária. Não se cria emprego. Depois da queda forte durante a pandemia, houve uma recuperação esperada, alguns empresários fizeram alguns investimentos, e o que Maduro fez foi não os assediar. Suspendeu a política de confisco e expropriação, que reinou no passado, na época da bonança petroleira. Como destruíram a estatal Petróleos da Venezuela, entenderam que não podiam continuar assediando o setor privado. Mas no primeiro trimestre deste ano, o consumo caiu 30%, a inflação caiu como consequência da queda do consumo, da retração da economia, e os números são muito negativos. Alguns são mais otimistas, continuam apostando, e eu digo que são heróis. Por isso digo que o país tem futuro.
Qual é sua expectativa sobre o processo de diálogo entre governo e oposição no México?
O processo de negociação está paralisado. Os Estados Unidos poderiam ajudar para que o processo possa ser retomado.
Como os EUA fariam isso?
A expectativa que existia sobre a administração [Joe] Biden era de que as políticas do governo de [Donald] Trump sobre a Venezuela fossem revisadas, porque essas políticas não deram certo. Ficar preso nisso é um erro. Não significa ignorar as violações dos direitos humanos, pelo contrário. Significa ver a situação que vive o povo venezuelano e liderar soluções para o povo venezuelano. Discursos são discursos, e o país precisa de soluções. A administração Biden tem um peso importante sobre a negociação no México.
O senhor pretende ser candidato nas eleições presidenciais de 2024?
Eu fui inabilitado pelo regime de Maduro, sou um dos inabilitados. Quase todos estamos nessa condição. Decidi concorrer, pela causa dos venezuelanos, principalmente os mais vulneráveis. Ainda não sabemos como serão as primárias. Se haverá uma primária ampla, aberta, ou mais fechada. Uma primária mais fechada iria contra minha luta de todos estes anos, a favor de uma Venezuela inclusiva.
A Venezuela precisa de um governo profundamente popular, que atenda a gigantesca dívida social que temos. Depois dos bilhões de dólares que entraram no país, hoje estamos numa situação de caos econômico e social. E isso não tem a ver com as sanções, a destruição econômica do país é responsabilidade do governo. As sanções devem ser revisadas, não ajudaram a mudar as coisas no país. Mas a destruição começou antes das sanções. No Brasil, até doamos dinheiro para uma escola de samba. Bilhões de dólares dados de presente.
Se o senhor ganhar a primária, poderá ser candidato?
Bom, isso forma parte da discussão das condições eleitorais. Para que uma eleição seja legítima e competitiva não podem existir políticos inabilitados. Petro estava inabilitado e teve uma decisão favorável da Corte Interamericana de Direitos Humanos que foi respeitada pelo Estado colombiano. Eu também tenho uma decisão favorável a mim, adotada antes da Venezuela sair da comissão. O problema é que Maduro não respeita essas decisões, como não respeita as leis e a Constituição, porque na Venezuela não temos uma democracia.
O regime de Maduro continua violando os direitos humanos?
As organizações de defesa dos direitos humanos são permanentemente assediadas pelo governo. O acesso a informações oficiais é muito difícil. Temos exemplos, inclusive de amigos próximos como Fernando Albán, que foi atirado de um dos andares do prédio do Serviço Bolivariano de Inteligência (Sebin), na Praça Venezuela. Ele é um dos casos em mãos do Tribunal Penal Internacional (TPI). E se as pessoas chegaram até o TPI é porque não encontraram Justiça em seu país. E a Justiça na Venezuela não melhorou. As mudanças na Corte Suprema foram cosméticas. O problema de fundo continua existindo. E sobre isso, pergunto a Lula: você acredita ou não na defesa dos direitos humanos? Se você é um democrata, não podem existir nuances.
Janaína Figueiredo, correspondente, de Buenos Aires (Argentina) para O GLOBO. Publicado originalmente em 31.05.23.
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