Presidente dá a impressão, neste início de mandato, de que foi tomado por uma espécie de síndrome de onipotência
(Foto: Wilton Junior/Estadão)
Desde Hesíodo, sabemos que o castigo é cruel. O titã Prometeu se julgou tão poderoso que roubou o fogo do céu. Foi punido por Zeus, que o acorrentou a um rochedo onde águias vinham comer-lhe o fígado.
Lula ganhou uma eleição apertada, mas se julgou senhor dos senhores. Por conta disso, vem colecionando malfeitos.
(Emendômetro: Lula já pagou mais de R$ 5 bilhões em emendas, mas Congresso cobra mais)
Governo libera verbas do orçamento secreto deixadas por Bolsonaro e dá mais recursos para acalmar parlamentares; deputados e senadores exigem maior controle sobre verbas
Achou-se em condições de mediar a paz no coração da Europa em uma guerra que tem raízes milenares. Na cúpula do G-7, chegou a condenar a invasão de países vizinhos pela Rússia e depois quis que a Ucrânia aceitasse entregar território ocupado nessas condições, em troca de uma paz incerta. Foi ignorado. Também no G-7, entendeu que devia dar um pito no Fundo Monetário Internacional (FMI), por não atender aos reclames da caloteira Argentina. Também foi ignorado.
No encontro dos presidentes da América do Sul, tentou ressuscitar a Unasul, um clube marcado pela ideologia, mas não obteve sucesso. Recebeu o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, com salamaleques e honras militares. Em seguida, expôs a teoria de que ditadura e democracia são questões de narrativa: os fatos se submetem a quem consegue impor a versão desejada.
Internamente, certos problemas começaram quando o presidente Lula deixou o “exército do Stédile” solto para invadir terras e ainda o presenteou com sua companhia na viagem à China. Foi o que bastou para que as águias do agronegócio avançassem sobre seu fígado.
O esvaziamento dos ministérios do Meio Ambiente e Mudanças do Clima e dos Povos Indígenas veio em seguida, até mesmo com o voto dos petistas, que tiveram de conformar-se com perder menos. O projeto que define um marco temporal para demarcação de terras indígenas passou na Câmara por falta de empenho do governo para rejeitá-lo. E o governo corre contra o tempo e distribui emendas e cargos para aprovar a MP de organização dos ministérios ou o Executivo volta a ter a estrutura do governo Bolsonaro.
O anúncio do “Novo Carro Popular” foi cabal demonstração de amadorismo político. Foi tanto uma decisão quanto uma elaboração açodada, baseada em renúncia fiscal, cujo único objetivo é esvaziar os pátios lotados das montadoras. Até agora não se sabe nem quanto vai custar nem quanto tempo vai durar. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que não ultrapassará “três ou quatro meses”. O secretário do Desenvolvimento Industrial, Uallace Lima, fala em “até um ano”. É um programa que vai na contramão do objetivo principal da Fazenda, que é eliminar subsídios e perdas de arrecadação.
E tem outras coisas importantes a serem decididas, como o arcabouço fiscal e a reforma tributária.
Falta um Hércules para livrar Prometeu do seu suplício. Mas, antes, ele precisa se dar conta que não pode tudo, especialmente não pode enganar-se a si próprio. Fatos são fatos, versões são versões.
Celso Ming, o autor deste artigo, é comentarista de economia n'O Estado de S. Paulo. Publicado originalmente em 01.06.23
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