segunda-feira, 26 de junho de 2023

Juro é tema que exige discussão técnica, não política

Ao atacar presidente e autonomia do BC, Lula e Haddad contribuem para disseminar visão errada da economia

Sede do Banco Central do BrasilSede do Banco Central do Brasil Andressa Anholete/Bloomberg

O Brasil é um dos poucos países onde os jornais dão destaque a um tema que, no mundo desenvolvido, fica relegado aos meios acadêmicos e ao mercado financeiro: a taxa de juros. Pudera. Ao manter a Selic em 13,75%, o Banco Central (BC) despertou a ira do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Lula não se cansa de atacar o BC, e Haddad disse que a queda do juro deveria ter começado em março. Ambos estão errados — e disseminam uma visão errada.

O brasileiro que embarcou na batalha em torno dos juros precisa evitar a simplificação grosseira — a ideia de Lula segundo a qual o BC “está jogando contra os interesses da economia” — e entender que se trata de discussão técnica. Quanto mais é tratada em tons políticos, pior para o país. É um sintoma do nosso atraso que mesmo meios intelectuais sofisticados aceitem argumentos pedestres, que atribuem ao presidente do BC, Roberto Campos Neto, alguma intenção política (ou maligna), ignorando o papel e o funcionamento dos bancos centrais. Tornar o BC autônomo foi, por sinal, fundamental justamente para evitar a interferência política que manipulava juros e alimentava a inflação no passado.

É verdade que o juro é alto no Brasil. Descontada da Selic a inflação projetada para o próximo ano, a taxa perto de 7% põe o país na liderança do ranking de juros reais (seguido por México e Chile, com 6% e 5% respectivamente). Tal realidade não é nova. Entre 2000 e 2007, os juros reais brasileiros giraram em torno de 11%. Depois, em razão da estabilidade monetária, da confiança fiscal e do acúmulo de reservas, caíram para 5% entre 2008 e 2017. Nos dois anos anteriores à pandemia, desabaram a pouco mais de 2%. A pressão inflacionária que se seguiu inverteu o ciclo no mundo todo, e o BC se viu obrigado a retomar o aperto monetário.

Tecnicamente, bancos centrais buscam praticar uma taxa de juros neutra, patamar capaz de controlar os preços sem interferir no ciclo econômico. Não é tarefa simples, pois envolve a análise dos indicadores inflacionários, do nível de atividade e das expectativas futuras, ponderados por modelos matemáticos sofisticados. A realidade brasileira resulta no maior juro neutro do mundo (uns 3,5% antes da pandemia, patamar que subiu diante da incerteza fiscal). Isso acontece por termos baixo nível de poupança — menos de 16% do PIB, bem aquém dos 22% no Chile ou 21% no México — e gastos altíssimos com aposentadorias (ao redor de 12% do PIB). A resultante é mais consumo e maior pressão inflacionária.

Com maior inflação média, menos poupança e mais gasto previdenciário, naturalmente o juro neutro necessário para segurar a espiral de preços é mais alto. É essa a principal razão para as taxas recordes no Brasil. “Não é culpa do BC”, diz Samuel Pessôa, pesquisador do Ibre/FGV e economista-chefe do Julius Baer Family Office. “O juro alto resulta das próprias escolhas da sociedade, que são feitas no Congresso Nacional. A culpa é nossa.”

É possível criticar, com base em argumentos técnicos, a estratégia de Campos Neto para combater a inflação. Mas é inegável que ela tem surtido o efeito desejado. O índice acumulado em 12 meses está em torno de 4%, dentro da meta perseguida (embora deva subir até o fim do ano). O importante é entender o que se critica. Não dá para pôr a culpa no termômetro pela febre ou no barômetro pela tempestade.

Editorial de O GLOBO, em 24.06.23

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