Truculência dos seguranças do ditador da Venezuela contou com apoio de profissionais brasileiros
O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro (Sérgio Lima/AFP)
Em qualquer democracia, é inaceitável que jornalistas sejam agredidos em pleno exercício da profissão. Pior ainda quando a agressão é cometida por agentes de um país estrangeiro em território nacional, em parceria com integrantes do Gabinete de Segurança Institucional (GSI). Foi o que aconteceu na terça-feira no Palácio Itamaraty, em Brasília, durante entrevista do ditador venezuelano Nicolás Maduro. Entre as vítimas, a repórter Delis Ortiz, da TV Globo, levou um soco no peito.
“É lamentável que, após todos os casos de violência contra repórteres brasileiros que faziam a cobertura em Brasília nos últimos anos, um episódio semelhante se repita”, afirmou o presidente da Associação Nacional de Jornais (ANJ), Marcelo Rech. “Esperamos que os compromissos públicos de apurar as responsabilidades e evitar que tais agressões jamais ocorram novamente se tornem realidade daqui para a frente.” ANJ, Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) e Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) emitiram notas de repúdio contra o episódio.
No último ano do governo Jair Bolsonaro, as agressões físicas a jornalistas cresceram 38%, segundo pesquisa da Abert. Entre janeiro e dezembro de 2022, houve 47 episódios envolvendo 74 repórteres. Os alvos mais frequentes foram profissionais da televisão. Dois jornalistas foram mortos, o mais conhecido deles, Dom Phillips, assassinado na Amazônia. Com a derrota da extrema direita em outubro, muitos acharam que a hostilidade do público e de agentes de segurança contra a imprensa diminuiria. Por isso a surpresa com o comportamento dos seguranças brasileiros.
Dos que cercam o ditador Maduro não se esperava nada distinto. A Venezuela ocupa a 159ª posição entre os 180 países do ranking de liberdade de imprensa da organização Repórteres Sem Fronteira. Depois de assumir o poder em 2013, Maduro adotou postura ainda mais autoritária que Hugo Chávez diante do jornalismo profissional. Um jornalista chegou a ser preso durante entrevista com ele em 2019 no Palácio de Miraflores, sede do governo. Prisões arbitrárias são corriqueiras. Nesse capítulo, a Venezuela não está longe da Rússia de Vladimir Putin.
A promessa do governo brasileiro é “apurar responsabilidades”. Pela gravidade do ocorrido, é pouco. É urgente punição exemplar para os agressores. Não há imagens do momento da agressão, mas há várias testemunhas da truculência dos seguranças, capazes de apontar quem praticou os atos violentos. É preciso haver treinamento de todos os demais para evitar que tais cenas se repitam. Por fim, mas não menos importante, o governo Lula deveria pensar duas vezes antes de voltar a receber ditadores como o venezuelano em solo brasileiro.
Editorial de O GLOBO, em 01.06.23
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