Valor é 24 vezes maior que o preço do mesmo produto em outros contratos; compra destinada a indígenas foi feita sem licitação
Produto, que seria distribuído a indígenas, pode ser encontrado em supermercados por até R$ 5 o quilo.
O governo Jair Bolsonaro (PL) comprou, no ano passado, sem licitação, pescoço de galinha para indígenas na Amazônia por um preço 24 vezes maior que o valor médio do produto. O item custou R$ 260 o quilo; o preço médio do mesmo produto adquirido em outros contratos fechados no mesmo período pelo governo foi de R$ 10,70. Em grandes redes de supermercados, a carne de pescoço pode ser encontrada por R$ 5 o quilo.
O Estadão revelou que o governo Bolsonaro comprou 19 toneladas de bisteca para o Vale do Javari que nunca foram entregues e gastou R$ 4,4 milhões para fornecer sardinha enlatada e linguiça aos indígenas yanomamis, contrariando a dieta local recomendada.
O pescoço de frango foi comprado para indígenas da etnia mura e funcionários da antiga Fundação Nacional do Índio (Funai) – hoje Fundação Nacional dos Povos Indígenas – numa missão em Manicoré, na Floresta Amazônica. O gasto total com as compras de carne chegou a R$ 927,5 mil, entre 2020 e 2022. Deste valor, R$ 5,2 mil foram para adquirir o lote de 20 quilos de carne de pescoço a R$ 260 o quilo. Não há registros da entrega do produto nesse período.
Com R$ 5,2 mil seria possível comprar meia tonelada de pescoço de galinha se o governo tivesse seguido o preço do produto pago em outros contratos. Para efeito de comparação, o quilo da picanha num dos maiores supermercados do País custava ontem R$ 70.
A empresa selecionada para vender a carne de pescoço, sem concorrência, fica em Humaitá (AM) e tem como dono Herivaneo Vieira de Oliveira Junior, de 23 anos. Ele é filho do ex-prefeito Herivaneo Vieira de Oliveira (PL), que cuida do negócio. Por telefone, o exprefeito primeiro se recusou a falar. “Eu não sei de nada, não”, disse, encerrando a ligação. Depois, retornou, pediu desculpas e relatou que tudo foi entregue conforme as notas fiscais emitidas e os preços levantados pela Funai. Questionado sobre o preço cobrado, afirmou: “Carne de pescoço? Não existe isso aqui. Eu sei que é uma carne ruim demais. Só pode ter sido um erro das notas de pagamento.”
CESTA. Responsável pela compra, a coordenação regional da Funai no Rio de Madeira (AM) adquiriu também mais de uma tonelada de charque, maminha, coxão duro, alcatra e latas de presunto que nunca chegaram às aldeias na época da pandemia de covid-19. Na região onde a carne deveria ter sido distribuída, indígenas enfrentam fome e desnutrição.
A empresa Loja do Crente Rei da Glória foi contratada para entregar as cestas básicas que deveriam conter as carnes diversas, mas os itens não foram incluídos. “A carne não chegou. Aquilo que era adquirido não chegava ao território”, disse o coordenador da Funai no Rio de Madeira, Raimundo Parintintin. Na época das compras, quem comandava o órgão era o capitão do Exército Claudio da Rocha.
O atual comando da Funai e a gestão do órgão no governo Bolsonaro não se posicionaram. Samuel de Souza Matos, dono da Loja do Crente Rei da Glória, e Claudio da Rocha não responderam.
Daniel Weterman, de Brasília - DF para O Estado de S. Paulo, em 16.05.23
Nenhum comentário:
Postar um comentário