quarta-feira, 19 de abril de 2023

Lula suaviza discurso após duras críticas dos Estados Unidos e da União Europeia por ficar do lado da Rússia

O presidente do Brasil, que quer mediar a guerra na Ucrânia, reitera que condena a invasão após a revolta causada por gestos e declarações recentes

Presidente Lula, nesta terça-feira, na solenidade de comemoração do Dia do Exército, em Brasília. (André Borges - EFE)

O Presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, que há meses promove uma iniciativa para buscar uma solução negociada para a guerra na Ucrânia, tenta apaziguar a ira que vários de seus últimos gestos e declarações causaram no Ocidente, que o acusa de estar fazendo o jogo para a Rússia. "Enquanto meu governo condena a violação da integridade territorial da Ucrânia, defendemos uma negociação política para o conflito", enfatizou Lula na terça-feira, sem mencionar a invasora, a Rússia. Ele fez essa declaração durante o banquete que ofereceu ao presidente romeno, Klaus Werner Iohannis, pouco mais de 24 horas depois de estender o tapete vermelho para o chanceler russo, Sergei Lavrov, e receber duras críticas da Casa Branca e de Bruxelas.

Também mobilizado para acalmar os ânimos estava o principal assessor de política externa de Lula por décadas, Celso Amorim. Ele se apressou em enfatizar em diversas entrevistas que "o Brasil não tem a mesma posição da Rússia" em relação à guerra na Ucrânia, afirmação que contradiz o que foi dito pelo ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, em entrevista com seu homólogo brasileiro na segunda-feira em Brasília.

Tanto a Casa Branca quanto Bruxelas esperavam que o Brasil voltasse à linha de frente da diplomacia, liderado por Lula, após a derrota do direitista Jair Bolsonaro. O Brasil recuperou o destaque internacional, mas tanto os Estados Unidos quanto a UE percebem uma mudança de postura que os deixa incomodados e incomodados.

“Estamos surpresos e preocupados. Não estão num ponto de equidistância, parece que passaram para o lado da Rússia e da China", segundo fontes europeias, que sublinham: "Não nos opomos às suas ideias de promover uma solução pacífica mas tem de ser para restaurar a legalidade internacional". O porta-voz da Casa Branca foi cruel ao acusar o Brasil de "repetir automaticamente a propaganda da Rússia sem olhar para os fatos". Enquanto isso, o governo da Ucrânia reiterou o convite a Lula para conhecer a situação em primeira mão.

O Brasil condenou a invasão e pediu a retirada das tropas russas da ONU, mas, fiel à sua tradição diplomática, se opõe e critica as sanções contra a Rússia por carecerem do aval do organismo multilateral. Mas não é sua posição de neutralidade e não ingerência, defendida por décadas, que irrita o Ocidente.

Lula já causava polêmica quando ainda não havia retornado à Presidência ao culpar tanto o ucraniano Volodomir Zelenski quanto o russo Vladimir Putin pela guerra. O problema para os EUA e a UE é que nas últimas semanas o agora presidente reiterou aquela distribuição de culpa entre o agressor e o país atacado, mas também acusou Washington e Bruxelas de prolongar o conflito enquanto continuam a fornecer armas a Kiev e sugeriu que talvez a Ucrânia tenha que desistir de retomar a península da Criméia (anexada ilegalmente em 2014).

Essas foram as palavras; depois, os gestos: durante sua visita oficial à China, Lula visitou um centro tecnológico da empresa Huawuei ( punido por Washington, que o considera uma ameaça à segurança nacional) e depois recebeu Lavrov (sancionado pelos EUA e UE), com quem ele manteve uma reunião privada. E em março foi o único país, junto com Moscou e Pequim, a apoiar uma resolução russa pedindo uma investigação independente sobre a sabotagem que destruiu o gasoduto Nord Stream.

O Brasil tem uma longa tradição como país não alinhado com nenhum dos grandes blocos. Por isso, desde a Guerra Fria, seu presidente abre os discursos da Assembleia Geral da ONU todos os anos. É uma potência média com aversão ao conflito, com uma enorme vontade de promover o diálogo e que há décadas reclama a ampliação do Conselho de Segurança da ONU para que reflita mais fielmente o atual equilíbrio de forças no globo.

Logo após chegar ao poder em janeiro, Lula lançou sua ideia de criar um grupo de países neutros que se envolveriam na tentativa de convencer Rússia e Ucrânia a se sentarem para negociar o fim da guerra. Uma proposta que não acaba de decolar.

Depois de quatro anos em que metade do Brasil assistiu com horror como seu país foi isolado internacionalmente sob o governo de Bolsonaro, o Brasil voltou a ter voz e retomou seu clássico perfil independente. O ex-chanceler Amorim, hoje assessor diplomático de Lula com 80 anos, resumiu assim a posição de seu país: “Queremos um mundo equilibrado e multipolar porque é o que mais interessa ao Brasil, mas o Brasil sozinho não pode criar esse mundo. O que ela pode fazer é contribuir para que o mundo não fique dividido em uma Guerra Fria de mocinhos e bandidos”. Sobre a guerra na Ucrânia, ele afirmou: “Enquanto não houver diálogo, a paz ideal para ucranianos e russos não acontecerá. Tem que haver concessões."

Em meio à crescente hostilidade entre Washington e Pequim, o Brasil não quer ser arrastado para escolher entre seu primeiro parceiro comercial (China) e seu segundo. Ele gosta de se colocar em uma liga de potências médias ao lado de países como Índia, Indonésia, Turquia ou África do Sul. Nessa perspectiva, promoveu a criação dos BRICS, o bloco emergente que hoje definha e ao qual também pertencem China e Rússia.

Naiara Galarraga Gortázar, a autora deste artigo, é correspondente do EL PAÍS no Brasil. Antes, ela foi vice-chefe da seção Internacional, correspondente de Migração e enviada especial. Trabalhou nas redações de Madri, Bilbao e México. Durante uma pausa na carreira do jornal, foi correspondente em Jerusalém do Cuatro/CNN+. É graduada e mestre em Jornalismo (EL PAÍS/UAM). Publicado originalmente no EL PAÍS,em 19.04.23.

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