terça-feira, 18 de abril de 2023

Lula busca seu Eldorado para acabar dependendo da China

A visita do presidente brasileiro a Pequim o distancia da autonomia estratégica que vinha defendendo e o aproxima muito das posições de Pequim sobre o uso do dólar como moeda de reserva e a guerra na Ucrânia

Os presidentes Xi Jinping e Luiz Inácio Lula da Silva são recebidos por um grupo de crianças no Grande Salão do Povo em Pequim, em 14 de abril. (RICARDO STUCKERT (AFP)

O Presidente brasileiro Lula da Silva deixou Pequim em grande estilo, não só pela enorme delegação que o acompanhou e pelos mais de 15 acordos de cooperação assinados com a China, mas também pela audácia das suas declarações, pelo menos do perspectiva de Ocidente, declarações que, por outro lado, parecem sair da boca do presidente Xi Jinping. Se o objetivo do presidente Lula nessa viagem era colocar o Brasil na mira da comunidade internacional, sem dúvida ele conseguiu. Mas se o objetivo era colocar o Brasil como potência neutra, como Narendra Modi fez com a Índia, a viagem não correu tão bem porque deixou bem claro quem é o mestre da relação bilateral entre os dois países: Xi Jinping .

Os objetivos de Lula com sua visita eram muito claros: acima de tudo, trazer oportunidades de crescimento para o Brasil, cuja economia foi duramente atingida pela pandemia.. De fato, as exportações de matérias-primas brasileiras para a China dispararam desde 2008, tornando a China, de longe, o principal parceiro comercial do Brasil. Embora essas exportações tenham sofrido uma queda, elas voltaram a se recuperar graças à abundância de lítio do Brasil, juntamente com outros materiais críticos para a transição energética. 

Tanto que a balança comercial brasileira com a China é positiva, um dos poucos casos no mundo. Além das exportações, a China é um dos maiores investidores no Brasil, especialmente no setor de energia. A distribuidora chinesa State Grid investiu cerca de US$ 3 bilhões em transmissão de energia no Brasil e a Cofco, maior comercializadora de alimentos da China, investiu mais de US$ 1,1 bilhão no agronegócio brasileiro. Por outro lado,

Mas crescimento e desenvolvimento não são os únicos objetivos que levaram Lula a Pequim. As horas difíceis pelas quais Lula passou após sua primeira presidência, marcada por sua prisão e condenação em 2017, parecem ter criado um anseio por liderança internacional que esteve ausente em sua primeira presidência.(2003-2010). Não há dúvida de que o Brasil é grande o suficiente, em termos de economia e população, para desempenhar um papel de potência regional na América Latina e também global se a rivalidade entre as duas grandes potências, China e Estados Unidos, permitir . 

Outros atores também estão nessa briga, como a União Européia e a Índia, mas Lula parece ter tomado outro caminho, que é quebrar o baralho e ficar do lado da China. A realidade é que as instituições internacionais tradicionais não estão funcionando para o Brasil, com um G-20 bastante disfuncional, ainda mais desde a invasão da Ucrânia, a ausência de acordos comerciais com os Estados Unidos e os 20 anos de espera que o acordo entre o Mercosul e a União Europeia. 

Talvez seja justamente isso que tenha levado Lula à convicção de que só a China pode oferecer resultados rápidos. De fato, a iniciativa promovida por Xi, especialmente desde o início da pandemia e com maior zelo desde a invasão da Ucrânia, do Sul Global deixa espaço, pelo menos no papel, para um país como o Brasil como copromotor dessa iniciativa. Que melhor prova do que terpresidente do banco BRICS, rebatizado de Novo Banco de Desenvolvimento, para a ex-presidente brasileira, Dilma Rousseff, sempre na sombra de Lula.

O problema é que o limite para a liderança brasileira que Lula almeja é justamente sua origem, a própria China, já que ela só pode ser exercida em oposição aos EUA e com apoio incondicional a Pequim. Uma liderança com essas características torna-se tão tendenciosa que deixa de ser tendenciosa, e foi exatamente o que aconteceu com a visita de Lula à China. Se Lula queria mostrar ao mundo, e certamente aos Estados Unidos, sua "autonomia estratégica", para usar uma expressão que nós, europeus, conhecemos bem, certamente não conseguiu. 

Na verdade, as duas principais mensagens de Lula em Pequim – o fim do uso do dólar nas transações comerciais e sua posição sobre a guerra na Ucrânia – poderiam muito bem ter sido transmitidas por Xi Jinping. Essa realidade não é sinal da força do Brasil como potência regional, mas sim de sua enorme dependência econômica da China a ponto de determinar sua política externa e, mais grave, do uso da moeda de reserva global para um país com dívida externa tão alta quanto a do Brasil.

No que diz respeito à Ucrânia, desde fevereiro passado Lula intensificou os esforços diplomáticos para acabar com a guerra, criando o chamado "clube da paz". Dessa iniciativa, a priori autônoma , Lula partiu para outra bem mais agressiva, em que acusa os Estados Unidos de fomentar a guerra e a Ucrânia de ser responsável por ela, junto com a Rússia. Com isso, Lula passou de lançar grandes ideias como possível conspirador para uma solução concertada, para ter um papel de marionete adotando uma posição muito mais parecida com a da China, com a diferença de que Pequim pode manter uma posição oficial menos agressiva e se esconder atrás Lula e outros que o seguem.

Sobre o uso internacional do dólar, Lula tem defendido o uso de moedas locais para o comércio internacional, mas ninguém sabe que não será o real brasileiro que assumirá esse papel, mas o yuan chinês, como ficou evidente no anúncio feito há algumas semanas da criação de uma infraestrutura de pagamentos em yuan no Brasil, com o objetivo principal de liquidar os pagamentos comerciais bilaterais entre a China e o Brasil na moeda chinesa.

O que parece claro é que Xi alcançou seus objetivos com a visita de Lula para fazer pender a balança em favor de um Sul Global mais unido e pronto para seguir os passos do gigante asiático. Lula, por outro lado, deixou de dar sinais de autonomia estratégica e liderança global para usar a linguagem de Xi Jinping em questões de grande importância. Claro, pelo menos carrega no bolso uma série de acordos de cooperação que, esperamos, trarão novas oportunidades de crescimento para o Brasil. É melhor que assim seja porque a demissão de Washington por Lula pode não ser gratuita no mundo bipolar em que ainda nos encontramos.

Alicia García-Herrero, a autora deste artigo, é economista-chefe para a Ásia da Natixis e pesquisadora sênior da Bruegel. Publicado originalmente pelo EL PAÍS, em 18.04.23

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