segunda-feira, 17 de abril de 2023

Escolher lado na disputa sino-americana é ruim para o Brasil

Pragmatismo recomenda que o País fique equidistante desse conflito de titãs

Na cerimônia de posse da ex-presidente Dilma Rousseff na presidência do Banco do Brics, Lula da Silva atacou o predomínio do dólar nas transações internacionais. Também visitou um centro de pesquisa da Huawei, empresa gigante de tecnologia que os Estados Unidos consideram uma ameaça para sua segurança nacional.

Agradou aos chineses, mas deu mais alguns arranhões nas relações com o governo Joe Biden, depois dos pronunciamentos polêmicos sobre a invasão da Ucrânia e da autorização para dois navios de guerra iranianos ancorarem no Rio de Janeiro, em fevereiro último. O Brasil é uma nação soberana e tem o direito de assumir posições internacionais que julgar apropriadas, mas o pragmatismo recomenda que o País fique equidistante desse conflito de titãs.

Vejamos a questão do predomínio do dólar.

Se considerarmos pelo tamanho das economias, as aspirações chinesas quanto à internacionalização da sua moeda, o yuan, são compreensíveis. Conforme estimativas do FMI, para 2023, o PIB da China, medido por paridade do poder de compra (PPP, na sigla em inglês), corresponde a aproximadamente 19% do PIB global, enquanto a fatia dos Estados Unidos está ao redor de 15,5% (a participação do PIB brasileiro é de 2,3%). Estima-se também que as exportações do gigante asiático correspondam a 15% das vendas internacionais totais, contra 10% dos norte-americanos (as exportações brasileiras alcançam 1,3% do total mundial).

No entanto, para a moeda de um país ter larga aceitação internacional, tamanho é uma condição necessária, mas não suficiente. Os fatores mais importantes são a transparência, a confiança e a resiliência da economia do país emissor. Não pode haver controle de capitais, pois os agentes econômicos precisam ter segurança na livre entrada e saída de seus recursos. Apesar dos números econômicos gigantescos da China, aproximadamente 60% das reservas internacionais detidas pelos bancos centrais e o mesmo porcentual das emissões de instrumentos de dívidas são denominadas em dólar. Da mesma forma, cerca de 80% do comércio internacional é efetuado na moeda norte-americana.

O crescimento chinês e a invasão russa à Ucrânia estão redesenhando o mapa geopolítico, sendo provável que a participação do yuan nas transações econômicas globais tenda a aumentar, mas está fora do horizonte observável o momento em que substituirá o dólar. A rigor, nem a própria China deseja que isso ocorra rapidamente, dado que o governo chinês não abre mão do controle de capitais.

Lula da Silva foi eleito para salvar a democracia das ameaças bolsonaristas, mas, na busca por maior protagonismo internacional, acena para governos totalitários. Seu discurso contra o dólar parece mais guiado por razões ideológicas do que técnicas, e mostra que o atual governo ainda tem dificuldade para focar nas reais prioridades da nossa economia. •

Claudio Adilson Gonçalez, o autor deste artigo, economista ,oi consultor do Banco Mundial, subsecretário do Tesouro Nacional e chefe da Assessoria Econômica do Ministério da Fazenda. Atualmente é  diretor-presidente da MCM Consultores.Publicado originalmente n'O Estado de S. Paulo, em 17.04.23

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