sábado, 8 de outubro de 2022

Riscos e oportunidades do Supremo

Senado bolsonarista traz riscos para a separação dos Poderes. É hora de o Supremo renovar, livre e corajosamente, sua compreensão sobre seus limites e seus deveres constitucionais

As eleições geraram uma nova camada de pressão sobre o Supremo Tribunal Federal (STF). Jair Bolsonaro, o político que, desde a redemocratização do País, mais enfrentou e atacou o Supremo, elegeu 20 aliados para o Senado, entre as 27 cadeiras disputadas neste ano. Na composição da próxima legislatura, o PL, partido de Jair Bolsonaro, terá a maior bancada da Casa, com 13 senadores, seguido por União Brasil (12), PSD (10), MDB (10), PT (9), PP (7) e Podemos (6). As outras legendas somam 14 cadeiras.

O novo cenário traz riscos para o funcionamento do Estado Democrático de Direito. Não custa lembrar que, no ano passado, Jair Bolsonaro apresentou ao Senado uma denúncia de crime de responsabilidade contra o ministro Alexandre de Moraes. O pedido de impeachment não tinha nenhum fundamento. Foi uma tentativa nada sutil de constranger o magistrado responsável por inquéritos envolvendo bolsonaristas e o próprio Bolsonaro. Felizmente, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, rejeitou prontamente a denúncia, por absoluta inépcia. No entanto, a depender de quem venha a ocupar a chefia da Casa no próximo biênio, esse tipo de denúncia pode ter outros encaminhamentos, interferindo na separação dos Poderes. Com a turma bolsonarista, todo cuidado é pouco.

Ao mesmo tempo, a composição do Senado após as eleições pode ser uma excelente oportunidade para que o STF renove, sem medo e sem acanhamento, sua compreensão sobre suas próprias competências. Mais do que nunca, é necessário que a Corte esteja consciente de seus limites e seus deveres constitucionais.

Não é fácil a posição do Supremo. A Constituição de 1988 é abrangente e, ao longo do tempo, o Congresso ampliou ainda mais seu alcance. Ou seja, o STF tem, por força do próprio texto constitucional, uma amplíssima competência sobre o Estado e a sociedade. Não há como escapar disso, seja qual for a composição política do Senado. Afinal, a missão do Supremo é defender a Constituição.

Para piorar, o próprio Executivo e membros das Casas Legislativas recorrem muitas vezes ao Supremo para tentar reverter derrotas políticas sofridas no Congresso. Há uma frequente judicialização da política, com a tentativa de que o STF seja instância revisora da política. Trata-se de manobra que viola a independência dos Poderes. Cabe ao Supremo sumariamente rejeitá-la.

No Estado Democrático de Direito, questões políticas são decididas por quem recebeu voto – e os ministros do Supremo não receberam nenhum voto. A função dos magistrados é aplicar o Direito, e não arbitrar disputas políticas. Infelizmente, como este jornal alertou diversas vezes, o Supremo não tem sido, ao longo deste século, muito rigoroso em seus limites, usando interpretações expansivas para dar a algumas matérias o encaminhamento político da preferência dos magistrados – ou de parte da população que os pressiona.

A renovada compreensão por parte do STF de suas competências constitucionais não significa, no entanto, apenas reduzir sua atuação. É também uma maior consciência de seus deveres. Seja qual for a composição do Congresso, o Supremo tem a tarefa de defender a Constituição. Não foi por acaso que Jair Bolsonaro transformou o STF em seu adversário político. Toda a trajetória política do presidente está centrada na rejeição da Constituição de 1988 e de suas garantias fundamentais. Alguém que louva a ditadura e homenageia torturadores certamente atritará com o Supremo. Assim, um Senado mais bolsonarista é alerta para os ministros do STF.

A maior consciência de seus deveres – a percepção da relevância de seu trabalho para o País – deve levar o Supremo a ter uma nova velocidade. Os processos precisam ter duração de tempo razoável. Liminares não podem durar anos. A Justiça que tarda não é justiça. Em concreto, o STF deve enfrentar, de forma técnica e articulada, sem deixar brechas para novas manobras, a inconstitucionalidade gritante do orçamento secreto. Que a nova legislatura possa estrear num outro ambiente de moralidade e transparência, plenamente constitucional.

Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 08.10.22, às 03h00

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