sexta-feira, 7 de outubro de 2022

Lula precisa fazer jus a tanto apoio

Pedro Malan, Arminio Fraga, Persio Arida e Edmar Bacha cedem valor de seu legado à candidatura do petista, o que não é endosso à desconhecida política econômica de sua campanha

A candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebeu um apoio de peso do mundo econômico nos últimos dias. Os economistas Pedro Malan, Arminio Fraga, Persio Arida e Edmar Bacha, que tiveram papel-chave na implantação do Plano Real, declararam voto no petista por meio de uma nota pública tão sucinta quanto simbólica. “Votaremos em Lula no 2.º turno; nossa expectativa é de condução responsável da economia”, afirmam.

A nota diz tudo sobre o posicionamento do grupo – e, a despeito de seu tamanho, não é pouco. Não há imposição de condições para o anúncio de apoio à candidatura de Lula. Não há sugestão sobre a âncora a ser adotada em substituição ao teto de gastos. Não há críticas à heterodoxia que marcou o segundo mandato do petista e que foi extrapolada por sua sucessora, a ex-presidente Dilma Rousseff. Esses são conceitos que estão implícitos no pensamento liberal que norteou a atuação desses economistas, e que foram deixados de lado pelo retrocesso civilizatório e pela ameaça democrática que o grupo vê na reeleição do presidente Jair Bolsonaro. Logo, é dever de Lula e sua equipe de campanha fazerem jus a esse inestimável voto de confiança e apresentarem compromissos claros e críveis que conduzam o País a uma rota de desenvolvimento econômico sustentável.

O Plano Real – que, convém lembrar, foi hostilizado pelo PT – foi um divisor de águas na história brasileira. Domar a hiperinflação proporcionou a estabilidade que a sociedade desconhecia e almejava. Foi a maior conquista do plano econômico, mas ele não se limitou a isso. Além de devolver o poder de compra à moeda brasileira, ele deu início a um período de aumento de receitas e redução de despesas e de uma política fiscal alinhada à política monetária, sem gastança desenfreada e marretadas artificiais nos preços dos combustíveis. Reduzir a inflação teria sido impossível sem o compromisso de atingir, também, o equilíbrio fiscal – o oposto do que o governo de Jair Bolsonaro e o ministro Paulo Guedes promoveram nos últimos anos.

O sucesso do Plano Real não rendeu apenas frutos econômicos, mas também políticos – o líder da equipe do Real, Fernando Henrique Cardoso, elegeu-se e reelegeu-se presidente, sempre no primeiro turno. Mas nem tudo foram flores. Logo após a reeleição, o País teve que fazer ajustes para enfrentar crises internacionais, mas a adoção do tripé macroeconômico, composto por câmbio flutuante, metas de inflação e metas fiscais, deu sustentação ao crescimento que se seguiu nos anos posteriores.

Foi somente depois do Plano Real que o País aprendeu que o equilíbrio das contas públicas não é um dogma, mas uma premissa para a execução de qualquer política econômica, independentemente da linha defendida pelo governante de plantão. É esse o significado de uma “condução responsável da economia”, e é em nome disso que Pedro Malan, Arminio Fraga, Persio Arida e Edmar Bacha emprestam agora seu legado à candidatura de Lula – o que evidentemente não se traduz em endosso à política econômica da campanha, que, por sinal, nem sequer é conhecida.

Como mostrou o Estadão, a equipe de campanha do petista tem sido incapaz de se entender em relação ao rumo da política fiscal que seu governo seguirá caso seja eleito. Enquanto a ala política defende o retorno dos superávits primários e a fixação de bandas, a ala econômica é favorável a um mecanismo de controle de gastos que permita aumentar as despesas acima da inflação. Em ambos os casos, o diabo mora nos detalhes e, como Arminio Fraga disse ao Estadão, no escuro da irresponsabilidade fiscal, os pobres são os mais prejudicados.

É preciso mais do que a vaga sinalização do ex-ministro Guido Mantega sobre o acolhimento de propostas dos ex-candidatos Ciro Gomes e Simone Tebet no programa do partido, e bem mais do que o silêncio do coordenador da campanha, Aloizio Mercadante. É preciso que Luiz Inácio Lula da Silva apresente um programa econômico crível. Como não o fez até agora, das duas, uma: ou não o tem ou não quer mostrar. Em qualquer dos casos, é péssimo.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 07.10.22

Nenhum comentário: