quarta-feira, 3 de agosto de 2022

Pela primeira vez, Bolsonaro enfrenta rejeição de banqueiros

Presidente ataca signatários de manifesto pró-democracia; após rasgar cartilha liberal, resta-lhe apelar ao fantasma do comunismo

Pela primeira vez, Bolsonaro enfrenta rejeição de banqueiros / Bolsonaro durante sessão no plenário do Senado, em 2022 (Foto de Cristiano Mariz / Agência O Globo)

Jair Bolsonaro está invocado. O capitão não gostou da nova Carta aos Brasileiros, que condena o golpismo e defende o sistema eleitoral. “O pessoal que assina esse manifesto é cara de pau, sem caráter. Não vou falar outros adjetivos porque sou uma pessoa bastante educada”, esbravejou ontem, em entrevista à Rádio Guaíba.

Nos últimos dias, o presidente passou vários recibos de sua irritação. “Não precisamos de nenhuma cartinha para dizer que defendemos a democracia”, disse. Em outro momento, ele atacou os banqueiros que subscreveram o documento. Sugeriu que todos teriam perdido dinheiro com a criação do Pix. “Eu dei uma paulada neles”, vangloriou-se.

Bolsonaro não se sensibilizou com mais de 670 mil mortes na pandemia. Seria ingenuidade imaginar que ele está preocupado com o número de assinaturas numa petição online. O motivo da ira presidencial é a adesão de porta-vozes da elite econômica e de entidades como Fiesp e Febraban, que lançarão um segundo manifesto na semana que vem. O capitão é tosco, mas sabe o que isso significa.

Em 2018, o establishment vibrou com sua chegada ao Planalto. O apoio foi renovado no início do governo, quando o Congresso aprovou a reforma da Previdência. Com o tempo, a farsa do liberalismo bolsonarista caiu em descrédito. A reunião com diplomatas estrangeiros, em que o presidente alardeou seu golpismo para o mundo, parece ter marcado um ponto de virada.

Pela primeira vez, Bolsonaro vê figurões do empresariado darem as costas ao seu projeto político. Isso indica um cansaço com a escalada autoritária, que afugenta investidores e injeta turbulência no ambiente de negócios. Como a Faria Lima não rasga dinheiro, o movimento sugere que a turma já começa a fazer cálculos para lidar com uma possível vitória de Lula.

Ao furar o teto de gastos e estourar o Orçamento pela reeleição, o capitão deixou claro que não está mais disposto a vestir a fantasia de liberal. O que lhe resta é sacudir o espantalho da ameaça comunista. Na entrevista de ontem, ele insistiu na velha conversa de que o PT vai abolir a propriedade privada. “Você que mora numa casa grande, que tem uma casa de praia... você quer dividir isso com terceiros?”, discursou.

Bernardo Mello Franco, o autor deste artigo, é colunista de O Globo. Publicado originalmente em 03.08.22


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