quarta-feira, 24 de agosto de 2022

Ação sobre empresários visa estrangular financiamento ao 7 de Setembro

Em grupo, empresários associavam união do 'povo' e dos 'militares' a caminho para contestar eleições

A ação autorizada pelo ministro Alexandre deMoraes e executada pela Polícia Federal teve como intuito principal estrangular o financiamento de empresários bolsonaristas a atos antidemocráticos que vêm sendo convocados pelo presidente Jair Bolsonaro e por sua rede de apoiadores para o 7 de Setembro e cujo principal tema é a contestação à Justiça Eleitoral e às urnas eletrônicas.

Investigações em curso nos inquéritos das fake news e das milícias digitais já comprovaram que existe uma rede de empresários de diversos setores que bancaram, na campanha de 2018 e ao longo de 2020 e 2021 atos em apoio a Bolsonaro e que tiveram pregações de golpe militar, a defesa do AI-5, palavras de ordem pela deposição de ministros do STF e o fechamento da Corte e do Congresso, entre outras temáticas antidemocráticas.

Alguns desses atos contaram com a convocação, a presença e até discursos do próprio Bolsonaro, como foi o caso de manifestações realizadas em Brasília no auge da pandemia e, de forma mais ostensiva e agressiva, no Sete de Setembro do ano passado.

Monitoramento da Justiça e da PF em redes sociais e aplicativos de mensagens mostra que a mobilização para que, de novo, o feriado da Independência, este ano o de seu Bicentenário, virasse um ato de incentivo a que o resultado das eleições não seja aceito, que as Forças Armadas sejam chamadas a realizar apuração paralela de votos e todas as demais pregações golpistas de Bolsonaro.

No grupo de empresários em que alguns disseram preferir um golpe de Estado a uma volta do PT ao poder, cujas mensagens foram tornadas públicas pelo colunista Guilherme Amado, do portal Metrópoles, o que levou à ação da PF e de Moraes não foram nem essas mensagens, mas aquelas em que vários empresários associam um ato unindo o "povo" e os "militares" no 7 de Setembro em Copacabana seriam o motor de alguma reação contra o que eles classificam como evidência de que o Judiciário estaria agindo para favorecer fraudes nas eleições.

A ação é classificada, na PF e no STF, como preventiva. As referências, de novo, são os atos já realizados e também o que ocorreu no Capitólio, em Washington, após a derrota de Donald Trump. Lá como aqui, as ações se desdobraram em duas frentes: uma mais visível, da exortação do próprio Trump à não aceitação do resultado das urnas e reação de seus apoiadores e, no submundo, o apoio logístico, ideológico e, sobretudo, financeiro ao que está sendo investigado como crime de conspiração.

No Brasil, admitem procuradores, delegados da PF, advogados e ministros com os quais venho conversando sobre a complexa tarefa de defender a democracia diante de ameaças cada vez mais explícitas, mas inéditas em termos de enfrentamento, faltam instrumentos claros nas leis para definir quais as iniciativas cabíveis e em que casos.

Por isso, pessoas próximas a Alexandre de Moraes dizem que ele não determinaria ações tão imediatas e incisivas se não houvesse da parte da PF elementos a apontar para a organização de novos atos antidemocráticos. Essas pessoas lembram que, em seu discurso de posse no TSE, o próprio Moraes avisou que não seriam tolerados pela Justiça atos e discursos dessa natureza.

"Ficou mais difícil financiar atos golpistas no próximo Sete de Setembro", resumiu uma pessoa próxima às investigações.

Os elementos que justificaram as ações estão sendo mantidos em sigilo justamente para evitar que os alvos da operação consigam destruir provas ou se precaver para evitar que conexões com atos antidemocráticos sejam detectadas pela PF.

Ministros colegas de Moraes estão convencidos de que, quando o sigilo for levantado, as conexões com os atos anteriores e a maquinação para a repetição de manifestações com aluguel de caminhões de som, palco, confecção de material impresso e pagamento de passagem e hospedagem para militantes, entre outras estratégicas, ficarão evidenciadas.

Outras medidas estão sendo adotadas para garantir a segurança de autoridades, candidatos, prédios públicos e cidadãos não apenas no 7 de Setembro, mas também na campanha e, sobretudo, nos dias de votação. Esse é o sentido, por exemplo, de reuniões realizadas entre Moraes e o presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco, e os comandantes das Polícias Militares -- inédita reunião de um comandante da Justiça Eleitoral com os comandos das PMs, aliás. Os relatos das corporações é de que tanto a PF quanto as PMs estão fechadas contra a ideia de atos golpistas daqui até o fim de outubro.

Bolsonaro tem insistido em convocar as pessoas às ruas no 7 de Setembro, embora o prefeito Eduardo Paes tenha cortado na raiz a ideia de misturar a celebração oficial do Bicentenário da Independência com militantes radicais do bolsonarismo tendo Copacabana como palco. Os próprios militares, diga-se, caíram fora da ideia.

O presidente vem sendo aconselhado pela ala política do governo e da campanha a não repetir os xingamentos a ministros e a pregação anti-urnas nos eventos do 7 de Setembro. Se vai seguir ou não, dizem esses mesmo aliados, é outra coisa. Mas a operação da PF e do STF tem sido um argumento a mais usado por eles -- ao mesmo tempo em que também inflamou a veia revoltada e inconformada de Bolsonaro, que tem exortado os empresários a reagirem e apontado o "extremismo" das buscas e dos bloqueios determinados contra os empresários.

Vera Magalhães, a autora deste artigo, é jornalista. Apresentadora do Roda Viva da TV Cultura e colunista de assuntos políticos n'O Globo. Publicado originalmente, em 24.08.22 às 16h37


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