A Dra Margareth Dalcolmo, (acima), pesquisadora e pneumologista da Fiocruz, apela à consciência cívica pela vacina ao receber prêmio São Sebastião A Dra Margareth Dalcolmo, pesquisadora e pneumologista da Fiocruz, apela à consciência cívica pela vacina ao receber prêmio São Sebastião | Reprodução
Não faço ideia de onde e quando serei vacinada contra a Covid. Só sei que estou na “segunda fase”. Vejo amigos argentinos, portugueses, franceses, americanos recebendo a informação precisa. Data, lugar e hora em alguns países. E nós? A resposta mais honesta é: não temos previsão.
Não suporto mais ver o general Pazuello repetindo o fim de frases, num eco de sua ignorância ou suas mentiras. A fala do ministro da Saúde é tão constrangedora que agora trocaram um coronel por um marqueteiro como assessor. Por que tanta ansiedade, tanta angústia? Com seringas, agulhas, oxigênio, vacinas?
Fomos ingênuos ao acreditar que o insumo para produzir vacinas no Brasil chegaria logo da China. Por mais que um Ernesto Araújo hesitante venha negar agora problemas políticos com chineses, é desastrosa nossa performance. Felizmente, a Índia decidiu enfim enviar a vacina de Oxford, depois de ter ignorado o Brasil na primeira leva. Se não fosse pelo Doria, nenhum brasileiro teria sido vacinado ainda. Ponto para o governo paulista, ponto para o Butantan, ponto para a ciência.
Apesar de tudo isso, eu me orgulho de ser brasileira. Meu orgulho tem nome e sobrenome. Uma mulher de minha idade. Gigante no que faz. Dra Margareth Dalcolmo. Pneumologista e pesquisadora da Fiocruz. Nasceu no Espírito Santo, mas no Rio de Janeiro fincou raízes. “Como dizia a grande escritora Marguerite Yourcenar, é onde nós vivemos que formamos nossa consciência”, disse ao receber o prêmio São Sebastião, da Arquidiocese, no feriado do padroeiro do Rio de Janeiro. A médica abandonou o discurso protocolar. Ela me representa e às famílias de mais de 210 mil mortos por Covid-19.
“É absolutamente inaceitável que nesse momento no Brasil nós tenhamos acabado de receber a notícia de que as vacinas não virão agora da China”, disse Margareth, sem elevar a voz. A Fiocruz está pronta para receber o insumo e produzir. Mas não poderá cumprir seu cronograma inicial de imunização. A não ser que os chineses se apressem e esqueçam as piadas indecorosas de Bolsonaro. E também esqueçam o chanceler Ernesto Araújo, um ministro insustentável. Com ele, o embaixador chinês aparentemente não fala mais.
Margareth dedicou sua vida à Medicina. Não teve filhos. Casou-se na igreja em 2015 com o educador Candido Mendes, hoje com 92 anos. Ela lembrou o que viveu na pandemia: “Ao longo desses 10, 11 meses, mais do que uma gestação, eu como tantos colegas estamos em centros de terapia intensiva com pacientes gravíssimos. Essa vivência nos tornou não mais poderosos, não mais sábios, mas mais humildes. Nos tornou mais atentos com o outro”.
Para Margareth, “não há nada neste momento, a não ser a desídia absoluta, a incompetência diplomática do Brasil”, que impeça cada um dos brasileiros de ser vacinado nas próximas semanas ou meses. Quando era pequena, Margareth queria ser diplomata. Fala inglês e francês perfeitamente. Aos 17 anos, na ditadura militar, avisou aos pais que não queria representar um governo que torturava. E mudou para Medicina. Hoje, faz um apelo. “Conclamo a todos que tenhamos consciência cívica para reivindicar aquilo que é nosso direito e a única solução”. A vacina.
Uma lástima que o presidente, seus filhos e seus ministros estejam tão abaixo de Margareth em todos os aspectos. Na moral, na competência, na compostura, no conhecimento, na responsabilidade. O Brasil que está no poder é um país que me envergonha. Olho o Trump e penso: vai passar.
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A vacinação aos pés do Cristo foi um oba-oba cafona e inadequado, com aglomeração e provável contágio. Menos euforia e mais discrição, por favor. Prefeito Eduardo Paes, fiscalize direito as praias e os bares abarrotados se quiser evitar lockdown.
Ruth de Aquino é Jornalista. Publicada originalmente n' O GLOBO,(digital) em 21.01.2021, às 15:40 h
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