quinta-feira, 14 de janeiro de 2021

Segundo impeachment de Trump tem o efeito de punição profilática

A impugnação do presidente pela Câmara dos EUA tenta romper com um padrão de comportamento radical, considerado inaceitável para um estadista. Comentário de Sandra Cohen.

A carnificina que o presidente Donald Trump prometeu erradicar dos EUA há quatro anos, no discurso de posse, acabou por consumi-lo e dominar o fim de um mandato violento e melancólico. Na Câmara dos Representantes, congressistas imprimiram a marca da derrota a Trump não apenas como o único presidente a sofrer dois impeachments, mas como o homem mais perigoso que já ocupou o Salão Oval, conforme asseverou o deputado democrata Joaquin Castro, do Texas.

O segundo impeachment, após 13 meses, atesta também a ruptura de dez republicanos com o discurso do ódio propagado por Trump. Os 197 que votaram contra a sua destituição não se preocuparam em defender o presidente da acusação de incitamento à insurreição. Focaram seus ataques no processo sumário, sem investigações ou audiências, liderado pela presidente da Câmara, Nancy Pelosi.


Nancy Pelosi, a Presidente da Câmara dos Deputados, assina a comunicação ao Senado Federal da instauração de processo contra Donald Trump, que se torna o 1º presidente dos EUA a sofrer dois impeachments — Foto: Reprodução

Todos que votaram nesta quarta-feira, contra ou a favor do impeachment do presidente, foram testemunhas da invasão ao Capitólio. Os democratas, contudo, estavam movidos por impor o impeachment como uma medida profilática: romper com um padrão considerado inaceitável para um estadista, o de insuflar partidários a resistir ao resultado eleitoral que tornou Joe Biden presidente eleitoral.

No discurso à massa de apoiadores que precedeu à invasão do Capitólio, Trump pronunciou pelo menos dez vezes o verbo lutar, a maioria na versão imperativa. A resposta veio na forma de depredação e pilhagem da Casa do Povo, com centenas de congressistas acuados e forçados a fugir do plenário.

O impeachment agora é fato consumado, mas não implica na destituição do presidente. O processo só chegará ao Senado após a posse de Biden, no dia 20, e será transformado em julgamento num ambiente político distinto: Trump estará fora da Casa Branca, e a Câmara Alta, dominada pelos democratas.

Dezessete senadores republicanos precisarão ser convertidos para alcançar a maioria de dois terços necessária à condenação. Caso isso se confirme -- não há precedentes de um processo de impugnação de um ex-presidente -- será necessária uma votação adicional para impedir que ele se torne elegível.

Cortar o mal pela raiz parece ser, em última análise, a meta dos democratas. Os 70 milhões de votos conquistados por Trump, no entanto, são o indício mais forte de que seu movimento radical ainda permanecerá no cenário político americano.

Sandra Cohen é Jornalista especializada em temas internacionais, foi repórter, correspondente e editora de Mundo em 'O Globo'. Publicado originalmente por G1, em 14.01.2021

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