Por Torquato Gaudêncio
Abro a coluna com uma historinha de PE, já contada e sempre requisitada.
"O verbo não vareia"
A Câmara Municipal de Paulista/PE vivia sessão agitada em função da discussão de um projeto enviado pelo prefeito, que pedia crédito para assistência social. Um vereador da oposição combatia de maneira veemente a proposição. A certa altura, disse que "era contra o crédito porque a administração municipal não merecia credibilidade". O líder da bancada governista intervém, afirmando que "o nobre colega não pode jogar pedras no telhado alheio, pois já foi acusado de algumas trampolinagens".
- Menas a verdade - retrucou o acusado. Sou homem honesto, de vida limpa.
- Vejam, senhores, - disse o líder - o nobre colega, além de um passado nada limpo, ainda por cima é analfabeto, pois, "menas" é verbo, e verbo não "vareia". (Historinha de Ivanildo Sampaio).
Ufa, a vacina chega
Depois de querelas e muita polêmica, a vacina chega aos postos de saúde e hospitais. Vestida do vermelho chinês da Sinovac e de verde e amarelo do Butantã, é aprovada pela Anvisa e abre o processo de vacinação no país. Houve uma queda de braço entre Jair Bolsonaro e João Doria. Este venceu. A vacina da AstraZeneca, sob o selo da Fiocruz, ostentada como trunfo do governo, está em compasso de espera. Os atores são chamuscados.
Bolsonaro e Pazuello
O militar que Bolsonaro impôs no Ministério da Saúde ganha o TI - Troféu da Incompetência. Diz e desdiz o que disse. Entra bem no traje de comediante. Ou de uma personagem mais tétrica, porque o país vive uma tragédia, não uma comédia. O Imponderável pregou mais uma das suas. A "vacina chinesa de João Doria", que o Brasil não compraria, segundo promessa do presidente, acabou se tornando a grande esperança nacional. E os chineses, agora, terão condições de esnobar. Como?
Insumos
Lembra a professora Margareth Dalcomo, da Fiocruz, que todas as vacinas, repito, todas usam insumos produzidos na China. O Brasil não fabrica insumos para doenças pandêmicas. De modo que o mundo todo usa vacinas com o tempero chinês. E qual a melhor vacina, professora? Ela responde: a primeira que chegar. Uma vacina que propicia 50% de possibilidade de uma pessoa não ser afetada é, segundo ela, uma enorme vantagem. Ainda sob as hipóteses de que alguns podem ter leves/moderados danos ou graves, mas estes não morrerão por Covid-19. Viva a Coronavac.
Heróis do momento
Vale homenagear os heróis do momento: os contingentes mobilizados na frente da saúde, aqueles que estão nos hospitais, enfermeiras (os) e médicas (os), e os cientistas que comparecem aos meios de comunicação para explicar, de forma didática, todo o aparato informativo necessário para os leigos entenderem melhor o fenômeno.
A Anvisa
Merece os aplausos dos brasileiros por ter dado uma decisão sob parâmetros técnicos, condenando, ainda, as alternativas de tratamento precoce como cloroquina, vermífugos e quetais. Um tapa com mão de luva nos cloroquínicos e adjacentes.
E agora, José
Tentarei responder Drummond.
A festa não acabou. A fogueira vai continuar acesa por todo o ano de 2021. Queimará as pestanas de alguns protagonistas da política, a partir de Bolsonaro. E esquentará os corações das pessoas de fé.
A luz apagou.
Apagou no Amapá, um pouco em Teresina e continuará a apagar com os danos em equipamentos mal conservados.
O povo sumiu
Sumiu nada. Vai reaparecer em alguns espaços, bastando a confiança voltar a habitar suas cabeças. E vai voltar reivindicando outras coisas, como auxílio emergencial.
A noite esfriou.
Pouco, esse ano. Apenas em partes do sul do país.
E agora, José? E agora, Pazuello? Qual a logística para vacinar todo o país, se vocês execram a China?
E agora, Bolsonaro?
Você que é sem nome.
Sem nome? Ora, carrega o nome de Messias.
Que zomba dos outros.
Pois é, Excelência, não zombe dos outros, dos que tomarão vacina, daqueles que põem fé na Ciência. E acreditam que a terra é redonda.
Impactos na política
Bolsonaro será atingido por respingos de protestos e indignação de milhões de brasileiros que enxergam incúria, desleixo, má gestão no enfrentamento da pandemia. Pazuello descarrega um caminhão de lixo sobre a imagem das Forças Armadas. A curto prazo, o desgaste na frente política será pequeno, não devendo mudar o curso das eleições na Câmara e no Senado. Mas os pontinhos de queda na pesquisa do Antonio Lavareda, esta semana, serão atentamente acompanhados pelo corpo parlamentar. Os políticos são pragmáticos. Com um olho, enxergam benesses da máquina governamental; com outro, a reação das ruas. Se a economia não melhorar a condição do bolso das margens carentes, auxílio emergencial acabando, pandemia ainda com seus surtos, ante um quadro como esse, a esfera política acaba tomando distância de Bolsonaro.
Governadores
Os governadores, uns mais, outros menos, procurarão tirar algum proveito da vacinação em seus Estados. Entrarão nas molduras fotográficas sob certa desconfiança. 2021 será um laboratório de experiências. Saúde estará liderando o rol de demandas. Deverá ocorrer um realinhamento partidário, com a saída e entrada de representantes e governantes. Mas a pandemia marcará a política com sinais de desconfiança, descrédito, certo desprezo e até rancor.
O milagre de Maomé
Alguns tentarão fazer como Maomé, que levou o povo a acreditar que poderia atrair uma montanha. Do cume, faria preces para aqueles que o seguissem. O povão reuniu-se. Maomé chamou a montanha diversas vezes. E a montanha quieta desafiava o profeta, que não se deu por vencido. Gritou para a massa: "se a montanha não quer vir até Maomé, Maomé irá ter com a montanha". Ensina Francis Bacon: "assim, esses homens que prometem grandes prodígios e falham vergonhosamente, passam por cima de tudo, dão meia volta e realizam os seus feitos". São audaciosos.
O espírito da naçã
A fé é a mola que impulsiona a vida social. Por mais que seja amortecida por crises intermitentes - sanitária, econômica, política - a fé tem a capacidade de renascer e fortalecer os ânimos. O povo brasileiro padece de uma grande crise de fé. Futricas, apropriação do bem público, conluios, emboscadas, traições, maquinações são alguns dos ingredientes que entram nesse caldeirão da fé. É evidente que a autoestima do brasileiro está em baixa. Uma questão de ausência de fé no amanhã. O Produto Nacional Bruto da Felicidade está entre 0 e 3 numa escala de 10.
Enem, um fracasso
Aplicou-se a lei. Fez-se o Enem, o exame do Ensino Médio. Mas a voz do bom senso pedia o adiamento desse exame, ameaça nesse momento em que a epidemia volta ao pico. Mais de 50% de abstenção. E onde está ou esteve o Ministério da Educação? Ganha um picolé de araçá (ih, como eu apreciava essa frutinha na infância) quem disser, agora, o nome do ministro da Educação.
Trump saindo pelos fundos
O general Figueiredo detestava Sarney. Saiu por uma porta lateral do Palácio do Planalto, não por uma porta dos fundos, como se conta para aumentar o impacto. Mas Donald Trump está saindo, com sua trupe, de forma a evitar flagrantes. Sai pelos fundos. Mas vai ser difícil escapar ao retrato. Trump tem ainda um batalhão de simpatizantes, proprietários rurais e desempregados do Círculo da Ferrugem (Arizona, Ohio,etc.). Sai de forma arrogante, com seu sobretudo preto, que não consegue apagar o contraponto: um sobrenada (rsrs).
Reversão de expectativas
Roberto Campos era um crânio, como se diz na linguagem para designar um homem de extraordinários conhecimentos. Ele sempre dizia que a pior coisa que pode ocorrer com um governo/governante é "uma reversão de expectativas". Ou seja, o governante promete tudo. E o povo recebe nada. Ministro do Planejamento do presidente Castelo Branco, foi a Recife, em 1965, e na Sudene fiz a ele a pergunta: "ministro, sua estratégia é a de pulverizar a distribuição de verbas no Nordeste"? Embutia a ideia de uma distribuição pequena, migalhas, para cada Estado. Pegou este iniciante de surpresa, gerando uma reversão de expectativas. Ao lado esperando resposta, ouvi dele: "o que o jovem entende por pulverização"? Fiquei pasmo e mudo.
Fecho a coluna com mais uma historinha de PE.
"Só expectorante"
Reunião de vereadores com o chefe político da região numa pequena cidade de Pernambuco. Cada um tinha de falar sobre os problemas do município, reivindicações, sugestões, etc. Todos falaram alguma coisa, com exceção de um deles, meio acabrunhado no canto da sala. O chefe político cobrou dele a palavra:
- E você, amigo, não tem nada a dizer?
O vereador, tonto com a provocação, não teve saída. Respondeu:
- Não, doutor, estou apenas expectorante.
Abriu a gargalhada dos companheiros espectadores. ("Causo" contado por Marco Maciel e relatado à Coluna por Geraldo Alckmin.)
Gaudêncio Torquato, Professor Titular na USP, é cientista político e consultor de marketing político.
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