O que esperamos para impedir o avanço do mal que o presidente representa?
Bolsonaro é um mentiroso contumaz. Ele sabe que mente quando diz que o STF o impediu de agir na pandemia. Mente também quando compara a covid-19 a uma gripezinha. Mente quando fala que defende o meio ambiente. Mente quando alega que houve fraudes nas eleições de 2018. Mente quando nega usar órgãos do governo para proteger seu filho. Mente o tempo todo, sem enrubescer.
A mentira contagiou o ministro da Saúde. Os dois tiveram que engolir a vacina do Doria. Irritados, inventaram um apoio financeiro ao Butantan – que não existiu. O governo boicotou como pôde. Em ato falho, o presidente chegou a lamentar a aprovação da Anvisa ao falar: “Apesar da vacina”, em uma entrevista.
Dizem até que apagou de suas contas a defesa da propaganda da cloroquina. Eu não o sigo. Mas os prints não mentem, são eternos.
Há método na sua suposta loucura, burrice ou negacionismo. Tratar seus atos como coisa de maluco é tudo que ele quer. Como no Brasil não temos a emenda 25 para apear incapazes do comando, a vida segue.
Ele mentiu na campanha quando disse que não iria tentar a reeleição. Desde o primeiro dia de seu mandato, ela é sua obsessão. Já avisou que se perder em 2022 vai melar o jogo. O que aconteceu no Capitólio há duas semanas pode ser tentado aqui em maior escala. A militarização de seu governo, os privilégios concedidos aos policiais e militares, o desmonte dos mecanismos de controle de armas e munições são sinais de sua intenção.
Não é admissível que um presidente não seja sequer cobrado por suas atitudes. Foto: Alan Santos/PR
Não consegue esconder sua irritação com o sucesso do Butantan e o fiasco da gestão de seu governo na compra e distribuição de vacina. E, previsivelmente, subiu o tom dizendo que as Forças Armadas é que decidem se temos democracia ou não. A sorte dos brasileiros é que, se depender da competência dos “pazuellos” em sua volta, o golpe fracassará por questões de logística.
Diante de tudo isso, é inexplicável a passividade dos nossos parlamentares. Maia comandou a pauta reformista, a começar pela mudança na Previdência, e sua gestão será marcada positivamente por isso. Mas também será lembrada pelo engavetamento de dezenas de pedidos de impedimento de Bolsonaro. Notas de repúdio não adiantaram nada. Às vésperas de entregar o cargo, é tarde demais para espernear.
Crime de responsabilidade é o que não falta. É só escolher. Quando o vírus começou a se espalhar no Brasil, muitas vozes se colocaram contra o impeachment porque poderia agravar a crise sanitária. Pois é, hoje são mais de 210 mil mortes, que continuam crescendo. Nem os melhores modelos estatísticos conseguem fazer prognósticos, porque a incompetência do ministro da Saúde e de seu chefe é fora de qualquer padrão.
No futuro, quando a história cobrar as responsabilidades, Pazuello, como Eichmann, vai alegar que estava só obedecendo ordens. Bolsonaro é um simples capitão reformado, quando deveria ter sido expulso do Exército, mas, como presidente da República, é o comandante em chefe das Forças Armadas.
Afastar o presidente é a mais importante ação de combate à pandemia e redução de mortes potenciais, sem contar os riscos à democracia.
Dizer que impeachment é ato político deixa nossos deputados em uma zona de conforto. Muitos usam Collor e Dilma para justificar sua inação. Só foram afastados quando perderam apoio. Mas quem retira esse apoio senão o próprio Congresso? Não temos certeza do número de parlamentares favoráveis à abertura do processo de afastamento. Indiferente a isso, as redes sociais iniciaram a contagem de votos e começam a pressionar seus deputados. Mesmo sem passeatas, podemos nos manifestar.
Bom lembrar também que não afastar um presidente por medo das ruas, pode torná-lo mais ousado. Lula foi reeleito após o Mensalão, e terminamos com o Petrolão, escândalo muito maior.
Não é admissível que um presidente não seja sequer cobrado por suas atitudes. Bolsonaro escapou impune de atos contra segurança nacional, ameaças de morte a presidentes, elogios à tortura e crimes de homofobia e misoginia. Se acha invulnerável. Sem limite, vai radicalizando. Com sua campanha contra vacina e uso de máscaras, e o estímulo à aglomeração, comete crime continuado de responsabilidade contra a saúde dos brasileiros.
Penso em meu pai neste momento. Sou filha de pai judeu e mãe católica. Meu pai, ateu, nem sequer fez seu bar mitzvah. O judaísmo para ele não tinha relação com religião. Quando dei a ele o livro da Hannah Arendt, sobre o julgamento de Eichmann, vi meu pai se transformar. Pela culpa de ter conseguido fugir da Romênia, cobrava internamente de seus parentes não terem ficado para lutar contra o nazismo, de terem visto o antissemitismo crescer sem reagir, pensando que “não vai acontecer comigo” ou “alguém vai parar esse monstro”.
Pois é como me sinto agora. O que estamos esperando para impedir o avanço do mal que Bolsonaro representa.
Elena Landau, a autora deste artigo, é economista e advogada. Publicado originalmente n'O Estado de São Paulo, edição de 22.01.2021.
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