Partido era uma atraente opção de refúgio para o presidente Jair Bolsonaro, que apoiou o prefeito do Rio na eleição municipal; sigla já abriga os filhos Flávio (senador) e Carlos (vereador)
O encarceramento preventivo por corrupção do prefeito do Rio, Marcelo Crivella, nesta terça, 22, tende a afastar definitivamente o Republicanos como alternativa partidária para Jair Bolsonaro em 2022. A legenda, que neste ano cresceu em número de prefeituras, era uma atraente opção de refúgio para o ocupante do Planalto. Acolhera seus filhos, o senador Flávio Bolsonaro, denunciado pela suposta prática de “rachadinha”, e o vereador Carlos Bolsonaro, gladiador do clã nas redes sociais. Assim, Bolsonaro apoiou a candidatura do mandatário local à reeleição. Mas não deu certo. Colheu mais uma derrota eleitoral e uma proximidade incômoda para quem tem o discurso moralista como peça de propaganda. Resta-lhe agora buscar o maior distanciamento possível do alcaide enrolado com a Justiça, buscar novo pouso em terras fluminenses e apostar na má memória do eleitor.
Crivella até fez a parte dele. Depois de mais de uma década aliado ao PT – foi até ministro da Pesca, durante o comissariado petista – trocou a esquerda pela direita, ainda no segundo turno da campanha de 2016. Na prefeitura, radicalizou na agenda de costumes, mandando apreender uma revista na Bienal do Livro em 2019. Nela, dois personagens masculinos se beijavam. Também caprichou no populismo que brilha nas redes sociais. Destruiu cabines de pedágio da Linha Amarela, injustamente cobrados, afirmava. Na campanha à reeleição, prometeu até redução de IPTU, em uma cidade de obras paradas e serviços públicos deteriorados, segundo ele por falta de dinheiro. Também denunciou, delirantemente, a possibilidade de “pedofilia nas escolas”, se perdesse a eleição. Não funcionou. No segundo turno, foi surrado pelo ex-prefeito Eduardo Paes (DEM) em todas as zonas eleitorais.
O prefeito do Rio, Marcelo Crivella (Republicano), é levado ao IML para fazer exame de corpo de delito Foto: Wilton Junior/Estadão
Mesmo com a resistência do comando do Republicanos à sua eventual filiação, o presidente investiu, na campanha de 2020, no namoro com o prefeito carioca. Sem partido desde que brigou com o PSL, no fim de 2019, Bolsonaro sabia onde se metia. Tinha consciência de que Crivella foi eleito, em 2016, em uma derrota da esquerda, de caráter nacional, que reduziu drasticamente o número de prefeituras do PT, em meio à ressaca do impeachment da presidente Dilma Rousseff . No Rio, esse recuo atingiu o candidato do PSOL, Marcelo Freixo, cuja eventual eleição à prefeitura, pregava a direita, seria “o caos”. Mas também não ignorava que os anos da administração do Republicanos no Rio revelaram um gestor que parecia desinteressado da cidade. Viu que o aliado era um prefeito de crescente impopularidade, que enfrentava escândalos como o da reunião do “fala com a Márcia” – funcionária que facilitaria atendimento médico a apadrinhados do prefeito – e o dos “Guardiões do Crivella”, capangas encarregados de intimidar parentes de pacientes que reclamassem do atendimento na saúde pública e os repórteres que tentassem entrevistá-los. E que derrotou, com verbas e cargos, pedidos de impeachment na Câmara dos Vereadores, chegando à campanha de 2020 muito questionado.
Ainda assim, a máquina oficial e o apoio de Bolsonaro parecem ter ajudado Crivella a ir ao segundo turno. O discurso de ultradireita, no campo dos costumes, e uma campanha centrada na proximidade com o presidente – às vezes, na propaganda de TV, parecia que era ele, e não Crivella, o candidato – agruparam o eleitorado conservador. Mas não foram suficientes para lhes dar a vitória – 2020 não é 2018. O próprio Bolsonaro percebeu o que ocorria. No segundo turno, negou-se a gravar vídeo de apoio e circunscreveu a aliança a elogios – tímidos – na internet. Parecia tentar reduzir o impacto da derrota arrasadora que se aproximava. O resultado apenas confirmou o que as pesquisas apontavam.
Se para Crivella a derrota foi um revés relevante na carreira política, para Bolsonaro foi mais um “preste atenção” emitido pelo eleitorado dos grandes centros – como o de São Paulo, que barrou a extrema direita do segundo turno. A prisão desta terça praticamente encerra a carreira do prefeito – que tende a virar a ex-grande aposta da Igreja Universal do Reino de Deus, patrocinadora do Republicanos, na qual o mandatário municipal é bispo licenciado. A operação do MP do Rio dá ainda a Bolsonaro a companhia de um preso por corrupção, cuja reeleição (fracassada) recomendou aos cariocas e com quem, mesmo antes da campanha eleitoral, apareceu dançando e rindo.
Mesmo para os mais devotos, é algo difícil de explicar – como é para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva justificar a proximidade que teve com outro preso do Rio, o ex-governador Sérgio Cabral Filho, condenado a perto de 300 anos de cadeia. Em cenário tão conturbado, a permanência dos primeiros filhos na legenda do prefeito preso, em tese, fica mais difícil, e a transferência do presidente, impossível.
Wilson Tosta, Chefe de Reportagem da Sucursal de O Estado de São Paulo do Rio de Janeiro.
Graduado em Jornalismo pela UFRJ em 1984, sou mestre em História Comparada pela mesma universidade e trabalho no Estado desde 1998. Acompanhei profissionalmente a política brasileira a partir da primeira eleição presidencial pós-redemocratização, em 1989 – e ainda hoje me surpreendo diariamente.
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