Proteína produzida no cérebro está ligada tanto ao surgimento da doença degenerativa quanto ao relógio biológico, sistema que interfere nos processos de descanso. Descoberta feita por americanos abre a possibilidade de desenvolvimento de novas ações terapêuticas
Um dos sintomas precoces da doença de Alzheimer, que se agrava com o tempo, são os distúrbios do sono. Embora essa associação esteja bem estabelecida, ainda não se sabe exatamente como ela se dá. Agora, pesquisadores da Faculdade de Medicina da Universidade de Washington, em St. Louis, nos Estados Unidos, descobriram uma proteína que pode explicar parte do problema.
Em um artigo publicado na revista Science Translational Medicine, os cientistas descrevem a descoberta de que uma proteína produzida no cérebro, a YKL-40, relaciona-se tanto com o Alzheimer quanto com o ciclo circadiano. Enquanto genes do “relógio biológico” regulam a produção da proteína, ela está envolvida no processo de limpeza de substâncias tóxicas que caracterizam a doença neurodegenerativa. Além disso, pacientes de Alzheimer com uma variante genética que reduz os níveis da YKL-40 têm um declínio cognitivo mais lento do que aqueles sem as mutações.
O ritmo de cada pessoa é definido por um “relógio” no cérebro, acionado pelo ciclo diurno e noturno. Cada célula também mantém o próprio relógio interno, vinculado ao principal. “Uma variedade surpreendentemente ampla de processos biológicos — da absorção de açúcar à temperatura corporal e às respostas imunológicas e inflamatórias — muda de acordo com a hora do dia”, explica o neurologista Erik Musiek, principal autor do estudo.
Embora a disfunção circadiana afete muitos aspectos da saúde, ela é mais facilmente identificada nos distúrbios do sono, como dificuldade em adormecer ou permanecer dormindo à noite e o aumento da sonolência durante o dia. Esses problemas são comuns em pessoas com Alzheimer, mesmo nos primeiros estágios da doença, quando as placas amiloides começaram a se formar, mas os sintomas cognitivos ainda não apareceram.
Musiek, cujo trabalho se concentra na ligação entre o ritmo circadiano e doenças neurodegenerativas, como o Alzheimer, conta que estava conduzindo uma triagem de genes regulados pelo ciclo circadiano quando um específico chamou a sua atenção. “O gene que produz a proteína YKL-40 mostrou-se altamente regulado pelos mesmos genes responsáveis pelo relógio biológico. Isso foi realmente interessante porque ele já é um biomarcador muito conhecido do Alzheimer”, conta.
De acordo com o pesquisador, terapias que tenham a proteína como alvo podem retardar o curso da doença. “Se o seu ciclo circadiano estiver desregulado por anos e anos — você rotineiramente sofre de sono interrompido à noite e cochila durante o dia, por exemplo —, o efeito cumulativo da desregulação crônica pode influenciar as vias inflamatórias, de modo que você acumule mais placas amiloides”, diz Musiek. O acúmulo desses lipídios no cérebro é uma das primeiras marcas fisiológicas da doença de Alzheimer. “Esperamos que uma melhor compreensão de como o relógio circadiano afeta a proteína YKL-40 possa levar a uma nova estratégia para reduzir a amiloide no cérebro.”
Inflamação crônica
Musiek relata que, há mais ou menos uma década, uma equipe do Departamento de Neurologia da Universidade de Washington descobriu que altos níveis da proteína YKL-40 no cérebro — detectados no fluido espinhal, que carrega a “sujeira” retirada do órgão — são um sinal de Alzheimer. Pesquisas posteriores indicaram que a quantidade da proteína aumenta tanto com o envelhecimento natural quanto com a progressão da doença.
O pesquisador e um dos coautores do artigo, Brian V. Lananna, começaram a explorar a conexão entre o relógio circadiano, a YKL-40 e o Alzheimer. Como a doença é caracterizada por uma inflamação crônica, os cientistas investigaram como a presença ou a ausência de um gene circadiano chave afeta as células cerebrais não neuronais em condições inflamatórias. Eles descobriram que o relógio biológico dita a quantidade de YKL-40 produzida.
Em estudos com camundongos com Alzheimer, os cientistas notaram que aqueles sem o gene produtor da proteína tinham metade da quantidade de placas amiloides, comparado aos demais. Esse agrupamento lipídico geralmente é cercado por células do sistema imunológico chamadas microglia, que ajudam a evitar que as placas se espalhem. Nos ratos sem YKL-40, a microglia era mais abundante e mais preparada para consumir e remover a amiloide.
“A proteína YKL-4, provavelmente, serve como um modulador do nível de ativação microglial no cérebro”, diz Musiek. “Quando você se livra da proteína, parece que a microglia é mais ativada para consumir a amiloide. É uma coisa sutil, um ajuste no sistema, mas parece ser o suficiente para reduzir substancialmente a carga amiloide total.”
A descoberta condiz com estudos realizados em humanos. Outro coautor do artigo, Carlos Cruchaga analisou dados genéticos de 778 participantes de pesquisas sobre envelhecimento e demência. Cerca de um quarto (26%) deles carregavam uma variante genética que reduz os níveis de YKL-40. As habilidades cognitivas diminuíram 16% mais lentamente nas pessoas com a variante.
Paloma Oliveto, Correio Braziliense, em 17.12.2020
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