Por Alexandre Ogusuku
A sociedade, há tempos, experimenta as mudanças comportamentais trazidas pela revolução tecnológica, em especial das redes sociais. As pessoas interagem mais com os celulares do que com os seus semelhantes. Esse pequeno aparelho transformou de tal monta a convivência humana que os seus reflexos são vistos nas praças, nos restaurantes, em nossas casas etc. Os olhos e os dedos humanos estão nos celulares.
No curso da Covid-19, o Poder Judiciário vem promovendo uma revolução no seu funcionamento. O atendimento às partes e aos advogados, as sessões de julgamento, as audiências, antes presenciais, agora são virtuais. Pelos celulares assistimos aos julgamentos, realizamos sustentações orais e as audiências. Também pelas redes, partes e testemunhas prestam depoimentos às autoridades judiciárias. E tudo isso, todas essas alterações, não são transitórias, constituem o que se anuncia como o "novo normal".
As novidades colocam a advocacia e a OAB em uma encruzilhada, marcam um ponto ambíguo em nossa existência: o início de um novo fluxo e o fim de um território existencial. Esse quadro exige da Ordem dos Advogados do Brasil decisões e ações que mantenham a instituição como protagonista da advocacia e da cidadania brasileira.
Uma primeira nova escolha diz respeito ao desagravo como instrumento de defesa das prerrogativas da advocacia. A defesa das prerrogativas na presente quadra requer uma atuação integrada do sistema federativo da Ordem dos Advogados do Brasil. A subseção, a seccional e o conselho federal devem atuar conjuntamente na defesa da advocacia violada, estruturados em redes.
Hoje, as ofensas à advocacia e às prerrogativas são transmitidas ao vivo pela internet e, gravadas, viralizam tão rápido como a propagação da luz. Esse processo de multiplicação digital das imagens de uma ofensa às prerrogativas, para o ofendido, tem funcionado como um verdadeiro desagravo. Tem-se a impressão de que quem desagrava a advogada e o advogado são as redes sociais e os seus influenciadores.
O procedimento e o ato do desagravo público necessitam de uma urgente ressignificação. O desagravo deve ser imediato à ofensa e a mensagem da OAB em defesa dos ofendidos deve alcançar o coração da advocacia. Esses tempos modernos cobram uma OAB rápida, eficiente e estruturada nas redes sociais. É dizer, não basta mais postar mensagens no Twitter, no Instagram ou no Facebook institucionais, é preciso viralizar essas mensagens, levando-as aos celulares de todos os advogados e advogadas.
A segunda decisão vem no bojo das modificações dos formatos das audiências. O Conselho Nacional de Justiça acaba de aprovar um minicódigo processual de audiências telepresenciais. Os celulares dos advogados, das advogadas, das partes e das testemunhas, na atualidade, representam os antigos fóruns de Justiça. Grandes prédios, secretárias, varas, gabinetes, salas de arquivos, tudo o mais, serão coisas do passado, bastam os celulares. No plano sociológico, a virtualização dos processos tende a formar um juiz asséptico ao réu, ao povo, e isso é um importante e real problema que desafia todos os operadores do direito da atualidade.
Outros já escreveram sobre os problemas jurídicos das audiências telepresenciais, como o fez Eduardo Sanz, em série de artigos publicados na ConJur. Destaque-se que a legislação processual brasileira é tímida em relação à virtualização das audiências e não contempla a prática de atos telepresenciais. O Conselho Nacional de Justiça não tem competência para legislar sobre normas processuais e, aí, caberia à OAB a defesa da legalidade no STF.
Defender a aprovação pelo Congresso de leis processuais que regrem os atos telepresenciais é, para além da modificação de um simples formato, um desejo de novas proteções e garantias à higidez e integridade dos depoimentos, a edificação de um novo conjunto normativo de prevenção e combate às fraudes processuais virtuais.
A terceira decisão nessa encruzilhada diz respeito às ações da OAB em relação ao aprimoramento do Poder Judiciário brasileiro. As provas dos antigos vícios e dos erros avolumam-se nas redes sociais. Comportamento inapropriado de juiz em praças litorâneas, conversas pré-processuais explícitas, desrespeito ao cidadão e ao seu direito de defesa, descaso com os pares da magistratura, são exemplos gravados e acessíveis em quaisquer dos sítios de buscas eletrônicas.
Impávida, a advocacia profere a clássica pergunta: e a OAB? É tempo de a OAB decidir sobre o que fazer e como usar as imagens que marcam esses vícios do Judiciário. O momento é assaz oportuno para dizer à sociedade e com ela decidir sobre qual é o juiz e o judiciário que queremos para o nosso país.
Nessa encruzilhada, as decisões da Ordem dos Advogados do Brasil muito significarão para a advocacia. Escolher bons caminhos amenizarão as trilhas dos advogados e das advogadas em nosso país. O processo tecnológico é irreversível, utilizemos os seus recursos para defender e valorizar a advocacia e trabalhar pela boa transformação do Poder Judiciário brasileiro.
Como na literatura, pelas redes, o rei ficou nu, e tecer-lhe novas vestes democráticas e republicanas é o papel daqueles que a Constituição consagrou como essenciais à administração da Justiça. Toda a nudez do Judiciário virtualizado será perdoada?
Alexandre Ogusuku é conselheiro federal OAB/SP e presidente da Comissão Nacional de Defesa das Prerrogativas e Valorização da Advocacia. Publicado originalmente pelo Consultor Jurídico, em 25.11.2020.
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