sábado, 28 de novembro de 2020

Porandubas Políticas

 Por Gaudêncio Torquato 

Véspera de eleição, uma historinha com um sábio da política mineira.

Quiçá e cuíca

Benedito Valadares, governador, foi a Uberaba para abrir a Expozebu. E passou a ler o discurso preparado pela assessoria. A certa altura, mandou ver e leu alto: "cuíca daqui saia o melhor gado do Brasil". Ali estava escrito: "quiçá daqui saia o melhor gado". A imprensa caiu de gozação. Passou-se o tempo. Tempos depois, em um baile na Pampulha, o maestro, lembrando-se do famoso discurso na terra do zebu, começou a apresentar ao governador os instrumentos da orquestra. Até chegar na fatídica cuíca. E assim falou: "e esta, senhor governador, é a célebre cuíca". Ao que Benedito, querendo dar o troco, redarguiu com inteira convicção:

- Não caio mais nessa não. Isto é quiçá!

(Historinha enviada por J. Geraldo)

Clima tépido

Nem quente, a ponto de fervura, nem frio capaz de causar hipotermia. Digamos que o clima nesses dias que antecedem o segundo turno esteja tépido. Pelo menos por aqui na maior metrópole brasileira. Sinto um sopro - um vento que se espalha pelo centro da sociedade na direção de Guilherme Boulos -, o que não quer dizer que ele chegará ao pódio. Mas essa última pesquisa Datafolha lhe dando 45% de intenção de voto contra 55% de Bruno Covas é surpreendente.

Surpresa?

A causa: o rápido crescimento do candidato do Psol nas pesquisas. Interessante é analisar o perfil de ontem do Boulos: líder do MSTT, Movimento dos sem Terra e sem Teto, coordenou invasões em propriedades, enfrentou a polícia, sendo, na época, considerado radical, revolucionário, depredador de propriedade privada. Hoje é palatável. Moderou o discurso. Bom de debate. E representa o antibolsonarismo e o antidorismo. Contra Bolsonaro e Doria. Ambos com alta rejeição na capital.

Imponderável

Costumo lembrar que São Paulo é, por excelência, o espaço do Senhor Imponderável dos Anjos. Elegeu Maluf, depois elegeu Erundina, elegeu Jânio quando Fernando Henrique já havia feito pose na cadeira de prefeito, elegeu Marta Suplicy, elegeu Fernando Haddad, numa espécie de passeio pela gangorra. Apenas lembranças. Bruno Covas tem 10 pontos de diferença hoje. Tirar essa distância em quatro dias é ser maratonista melhor que Usain Bolt, o maior velocista de todos os tempos, sendo o único a vencer três vezes em Olimpíadas as provas de 100 m e 200 m.

Antilulismo

Mas Bruno Covas pegou a fama de corajoso, como o avô Mário, venceu um câncer, aparece bem na TV, e, de certa forma, encarna o perfil do antilulismo. São Paulo abriga a maior população antipetista do país. Portanto, ele também agrega um posicionamento que puxa uma carga grande de votos. O psolismo é primo-irmão do petismo. Mas o voto, desta feita, carrega intensa indignação. Quem causa maior furor hoje? Quem tem esse termômetro? O eleitor está furioso, raivoso, crítico, exigente.

O bolsonarismo

Bate no nosso sistema cognitivo uma forte sensação de que o bolsonarismo tende a entrar numa rota de declínio. Indico alguns fatores: a) a economia continuará tateando na escuridão; b) o Centrão ganhou força na eleição, o que lhe motivará a aumentar o custo da fatura política, gerando cofres abertos, divergências, apoios, de um lado, e desapoios, de outro; c) formação de um bloco central, unindo grandes partidos, com vistas a 2022; d) o desprestígio do Brasil no cenário internacional, a partir da vitória de Joe Biden; e) desentrosamento entre Bolsonaro e parcela vigorosa das Forças Armadas ; f) a indeclinável dureza da identidade bolsonarista, com viseira que só mostra a base de adeptos e simpatizantes.

Cadete

Leio texto de Thaís Oyama, colunista do UOL: "Diante da insatisfação dos generais, Bolsonaro procura os cadetes. Na noite de 16 de outubro Bolsonaro dormiu junto aos cadetes numa ala comum do Hotel de Trânsito da Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), em Resende/RJ. Não foi a primeira vez que o presidente foi à academia participar da cerimônia de entrega dos espadins aos aspirantes a oficiais do Exército. A Aman é a incubadora dos oficiais e futuros comandantes da Força Terrestre".

Cansaço da equipe

No terceiro ano das administrações, os governantes se obrigam a mostrar seus feitos em todas as áreas. Se a folha de serviços não estiver cheia de coisas, ocorre o que se chama de "reversão de expectativas". Frustração. Decepção. Desprezo. Procura de novos protagonistas. A equipe ministerial, por seu lado, se esvai em cansaço. Indisposição. E até desejo de se retirar de campo. Um ou outro. Paulo Guedes, por exemplo, está frustrado com a derrota de seu programa de privatização. E se mostra esgotado. Começa a repetir as mesmas intenções, as mesmas previsões, o mesmo vocabulário. Linguagem tatibitate, que não leva a nada. Palavras, palavras, onomatopeias, exclamações, interrogações.

O copo transborda

O fato é que: ninguém suporta mais os pés de páginas transmitidos por Bolsonaro em seus encontros informais (mas combinados) com apoiadores e jornalistas; ninguém aguenta mais as frases de efeito ou palavras "bolsonárias" para abrir manchetes de jornais; só mesmo as duas bandas envolvidas suportam o bate boca diário pelas redes sociais; saturaram as sequências na mídia sobre rachadinhas, Flávio e Queiroz; até os programas de humor, com vozes imitando protagonistas, começam a perder a graça. O copo transborda. E ninguém vê isso?

O Brasil em mutação

Em Barbacena/MG, terra de Andradas e Bias Fortes, donas do poder político desde o Império, foi eleito prefeito um professor de 28 anos, ex-vereador de uma única legislatura. Nesta mesma Barbacena, o segundo vereador mais votado, um palhaço ambulante (literalmente), com roupas e adereços próprios da figura representada, faz como o prefeito, representando os descrentes, insatisfeitos, e os eleitores que não aceitam o status quo da política. Mensagem enviada pelo advogado Júlio Azi Campos.

Final de ano menos festivo

As famílias vão entrar daqui a pouco no clima de confraternização. Mas o clima não será tão animado. A pandemia está aí com seus números ainda altos. A Covid-19 sai das ruas e entra nas casas. Agora, a contaminação chegou forte nos grupos do meio da pirâmide, que desleixaram suas atitudes prevencionistas. Está longe de ir embora.

A briga das vacinas

Politizaram as vacinas. Vacinas comunistas e vacinas liberais. Uma nova muralha, não da China, mas contra a China, se constrói por nossas plagas, a partir desse pedreiro, arquiteto e pintor, de nome Jair Bolsonaro, que tentará evitar que a tal vacina chinesa pule a muralha. Até prometeram comprá-la se for aprovada pela Anvisa. Promessa. Pois tudo será feito contra o que pode vir daquele território oriental. Teremos um 2021 pontuado por frases como: "já tomou sua vacina? A chinesa ou a inglesa? A chinesa ou a americana?"

Doria x Bolsonaro

Podem até não gostar do estilo João Doria de governar. Falam que abusa da publicidade, do modus operandi de sua comunicação autoelogiativa, etc. Há até um blog do Tom Cavalcanti, que imita o governador em suas entrevistas diárias sobre as ações de seu governo para combater o corona 19. Mas o fato é que ele lidera o esforço no país para trazer a vacina da China, fazendo negociações, parceria entre o laboratório chinês e o Instituto Butantã, que é um exemplo de seriedade no campo da imunologia.

2022, distante

Cerca de seis milhões de doses já chegaram a São Paulo. Doria, por essas coisas, tornou-se alvo de Bolsonaro. Até o momento, o governador tem se ancorado, como frisa, na base da ciência, enquanto o presidente monta no cavalo da politiquice. Até 2022, tem um oceano para escoar por baixo da ponte. Olhem para a história.

Napoleão

Lembrem-se de Napoleão, que invadiu a Rússia em pleno inverno. Faltavam suprimentos para o Exército. Não era fácil para os franceses obter comida com os camponeses que viviam nas áreas agrícolas ao redor. Napoleão teve que repensar sua estratégia e decidiu não mobilizar seus soldados para tomar São Petersburgo. Eles não tinham mais energia para viajar até o norte, e muito menos pra enfrentar um potencial ataque das forças do marechal Kutuzov. Napoleão estava em território estrangeiro sob a sensação de derrota.

Explodir o quê?

Sem outra escolha senão recuar, os franceses começaram, em meados de outubro de 1812, a marchar rumo a oeste para a área entre os rios Dnieper e Dvina. Enfurecido pela situação, Napoleão ordenou que seus engenheiros explodissem o Kremlin após sua partida, mas eles conseguiram destruir apenas uma torre. Com pouco para comer e despreparados para o inverno, as forças de Napoleão voltaram para Paris, sofrendo grandes perdas ao longo do caminho. Candidatos: não cometam o desatino de invadir 2022 antes do tempo. Tendo alvos concretos para implodir ou explodir. Não há, na atual paisagem, condição de explodir algo concreto como barragens, adutoras, prédios.

Fecho a coluna com um pouco de humor para adoçar a amargura da campanha eleitoral.

Encenação da paixão

O "causo" se deu na encenação da Paixão de Cristo numa cidadezinha da Paraíba. O dono do circo, em passagem pela cidade, resolveu encenar a Paixão de Cristo na sexta-feira santa. Elenco escolhido dentre os moradores e no papel de Cristo, o cara mais gato da cidade. Ensaios de vento em popa. Às vésperas do evento, o dono do circo soube que 'Jesus' estava de caso com sua mulher. Furioso, deu-se conta que não podia fazer escândalo sob pena de perder o investimento. Bolou uma maneira. Comunicou ao elenco que iria participar fazendo o papel do 'centurião'.


- Como? - reclamaram - Você não ensaiou!

- Não é preciso ensaiar, porque centurião não fala!

O elenco teve que aceitar. Dono é dono. Chegou o grande dia. Cidade em peso compareceu. No momento mais solene, a plateia chorosa em profundo silêncio. Jesus carregando a cruz ... e o 'centurião' começa a dar-lhe chicotadas.

- Óxente, cabra, tá machucando! Reclamou Jesus, em voz baixa.

- É pra dar mais veracidade à cena, devolveu o centurião.

E tome mais chicotada. Chicote comendo solto no lombo do infeliz. Até que Jesus enfureceu-se, largou a cruz no chão, puxou uma peixeira e partiu pra cima do centurião:

- Vem, desgraçado! Vem cá que eu vou te ensinar a não bater num indefeso!

O centurião correndo, Jesus com a peixeira correndo atrás, e a plateia em delírio gritando:

É isso aí! Fura ele, Jesus! Fura, que aqui é a Paraíba, não é Jerusalém, não!

 Gaudêncio Torquato, Professor Titular na USP, é cientista político e consultor de marketing político.

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