quinta-feira, 26 de novembro de 2020

Mais um incidente diplomático

Eduardo Bolsonaro se sente à vontade para ofender a China porque nada lhe acontece

É muito prejudicial ao País que o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) presida a Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional (CREDN) da Câmara dos Deputados.

Em 2018, os seus eleitores podem ter julgado que ele reunia as condições necessárias para o exercício de um mandato parlamentar, mas seu comportamento ofensivo e irresponsável no trato com outras nações mostra que o deputado não está à altura da presidência de uma das mais importantes comissões permanentes da Casa. Compete à CREDN, por exemplo, apreciar projetos de lei, tratados internacionais e outras proposições referentes às áreas de defesa e de política externa brasileiras. Compete à comissão, ainda, o acompanhamento e a fiscalização das ações do Poder Executivo no âmbito daquelas áreas, como dispõe a Constituição.

As reiteradas aleivosias do deputado Eduardo Bolsonaro podem servir muito bem como combustível para incendiar os ânimos das hostes bolsonaristas nas redes sociais, altamente inflamáveis por natureza, mas, ao fim e ao cabo, têm causado enormes danos à imagem do Brasil e elevado de forma significativa o risco de prejuízos financeiros para o País.

O mais recente incidente diplomático causado pelo filho “03” do presidente Jair Bolsonaro – certamente não terá sido o último – envolveu mais uma vez a China, nada menos do que o maior parceiro comercial do Brasil. Em uma série de mensagens publicadas no Twitter, logo depois apagadas, o deputado Eduardo Bolsonaro acusou o Partido Comunista da China e empresas chinesas de praticar “espionagem cibernética”. As acusações feitas pelo parlamentar não se sustentam. Baseiam-se em teorias conspirativas e têm como pano de fundo a disputa comercial e geopolítica entre os Estados Unidos e a China para venda de equipamentos da rede 5G em todo o mundo.

A gravidade do ato hostil do deputado Eduardo Bolsonaro pode ser medida pelo tom da resposta do porta-voz da embaixada da China no Brasil, a mais incisiva até o momento (o “03” é useiro e vezeiro nas ofensas ao país asiático). Em comunicado, a embaixada chinesa recomendou que Eduardo Bolsonaro, sem citá-lo nominalmente, evite “ir longe demais no caminho equivocado” de atribular a relação entre os dois países. Caso contrário, prossegue a embaixada, “deverá arcar com as consequências negativas e carregar a responsabilidade histórica de perturbar a normalidade da parceria China-Brasil”.

A embaixada chinesa teve o cuidado de lembrar o que está em jogo. “Ao longo dos 46 anos de relações diplomáticas, a parceria sino-brasileira conheceu um rápido desenvolvimento graças aos esforços de ambas as partes. A China tem sido o maior parceiro comercial do Brasil há 11 anos consecutivos, e é também o país com mais investimentos no Brasil”, diz o comunicado. Entre os meses de janeiro e outubro deste ano, as exportações do Brasil para a China somaram US$ 58,5 bilhões, correspondentes a um terço de todas as exportações do País. É disso que se trata do ponto de vista econômico.

A irresponsabilidade do deputado Eduardo Bolsonaro, ao se engajar em atos e palavras de hostilidade contra países dos quais não tem suficiente conhecimento, conflita com a melhor tradição diplomática brasileira e fere os princípios que regem as relações exteriores do Brasil consagrados na Constituição. Até quando? Talvez o deputado se comporte com tamanho desassombro reiteradas vezes, a despeito dos males que causa ao País, porque receba mais incentivos do que admoestações de seu pai, assim como um filho malcriado cujas travessuras mais entretêm do que constrangem.

O atrevimento do presidente da CREDN causa fissuras em relações externas construídas ao longo de muitos anos, pautadas pela confiança e pelo respeito mútuos. Caso Eduardo Bolsonaro continue a fazer o que faz, repetidamente, sem que nada nem ninguém lhe aplique o devido corretivo, tais fissuras podem se tornar rachaduras irreparáveis.

Editorial de O Estado de São Paulo, edição de 26.11.2020

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