A
fome batendo agora também às portas dos gregos raspa paredes de estômagos e
raspa também a compaixão e despidos também da misericórdia no sentimento os
gregos já não atiram mais seus restos aos cães.
Os
gregos agora atiram os seus cães ao que já nem mais resta sequer da estima. Dá
pena ver na televisão os cães da Grécia sendo largados por seus donos pelas
esquinas lúgubres de ruas quase desertas em fins de tardes sob nuvens
cinzentas.
A
decadência dificilmente deleta a memória dos seus bons tempos e aí é que reside
toda dificuldade para conviver depois com a bancarrota.
Aproximando-se
a decadência muitos se agarram ao passado e fantasiam. Outros, que nem os donos
dos cães na Grécia, se tornam figuras ásperas, insensíveis, ao que parece, sem
o mínimo sentimento de lealdade e amizade.
Quantos
daqueles cães não conheceram o fausto proporcional às posses econômicas ou ao
poder politico dos seus donos?
Quantos
daqueles cães não responderam afetivamente às carências de tantos donos que não
acreditando na amizade dos homens preferiram a amizade deles?
Os
cães gregos agora são largados nas esquinas lúgubres das ruas quase desertas de
Atenas e de outras cidades como criaturas pesadas e inconvenientes das quais os
seus donos precisam se livrar logo.
A
reportagem na televisão não mostrou nenhuma cena traduzindo algo como se fosse
uma despedida de um dono do seu cachorro.
Pode
ser que algumas pessoas tenham abandonado seus cães nas esquinas lúgubres das
ruas distantes de suas casas na esperança de que, por si, eles também consigam
sobreviver à crise econômica, de raiz politica, que arrasta hoje à decadência
toda a Europa e num dia, quem sabe, se reencontrarem como sobreviventes, velhos
amigos, numa boa.
Entre
nós, no Brasil nordestino, temos exemplos diferentes em cenários um tanto
parecidos.
Em
"Vidas Secas", Graciliano Ramos nos conta sobre a lealdade de uma
família de pobres retirantes, fugitivos da seca, com a sua cadela igualmente
faminta, quase couro e osso, mas ainda assim atendendo pelo nome de
"baleia".Além da cadela, havia um papagaio meio esquisito, invocado,
que quase não falava.
A
certa altura da viagem, a fome foi tamanha que a pequena família, embora
hesitando um pouco, teve coragem para matar o papagaio sem nome, depená-lo como
se fosse um frango tipo biafrense e leva-lo a ferver sobre o fogo ardente numa
improvisada panela.
"Baleia",
a cadela nordestina na saga daquela família de retirantes, era tratada como um
parente próximo.
Quando
o Fabiano, o pai da família, tomado pelo desespero e achando que a cadela
padecia de alguma doença transmissível quis mata-la, as crianças foram em cima
e não deixaram. A "baleia" era muito querida.
Os
cães da Grécia, muitos deles, certamente, também devem ser muito queridos pelos
seus donos. O que causa o dilema é a fome.
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