Nada substitui a experiência pessoal. Você ouve falar nessa incomensurável mazela que é hoje a saúde no Brasil e não faz idéia do que vem a ser isso no Maranhão.
Minha intenção inicial é falar sobre essas sofridas irmãs e sofridos irmãos, os quais como se arrastando aos pés da vida padecem tanto em sua luta de toda hora para exercerem esse direito tão comum a todos nós que se resume à liberdade de ir e vir.
A injustiça da vida os colheu em algum acidente e num rasgo de segundos os fez dependentes de bengalas, de muletas ou de cadeira de rodas. Ah meu Deus, pode parecer pieguice, mas como eu sofro ao ver passarem essas irmãs e irmãos!
Pouco antes da Constituição de 88, ainda nos estertores da Carta de 67, toda deformada pela carência de legitimidade, não havia ainda no Brasil essa consciência de que era dever, também do Estado, proteger os que padecem de deficiência de locomoção.
Lembro do Thales Ramalho, um paraibano entroncado, meio atleta, campeão em levantamento de copos, pele cor de camarão, Deputado Federal por varias legislaturas pelo MDB velho de guerra, em Pernambuco.
Numa manhã enquanto fazia a barba, o Thales sentiu uma pontada em algum lugar do cérebro, sentiu que perdia o equilíbrio, caiu, fraturou a bacia e a família o mandou para Nova Iorque onde ficou um bom tempo em tratamento. Tivera um acidente vascular cerebral, o popular AVC.
Nas articulações políticas a cabeça do Thales não mudou nada. Lembrava de tudo e porque não podia ir muito longe passava maior tempo no telefone animando as pautas dos jornais coagidos pela censura e animando as esperanças na abertura política.
Naqueles tempos estar paralítico era um horror. Foi do Thales a iniciativa da emenda constitucional que atribuiu aos deficientes físicos em geral os direitos que lhes são hoje garantidos e ao Estado os deveres que lhe são impostos.
Essas rampas de acesso hoje obrigatórias em todas as vias e espaços públicos, decorrem da emenda do Thales. Os colegas Deputados brincaram quando da promulgação da emenda dizendo que ele legislava em causa própria.
Nada substitui a experiência pessoal. Melhor dizendo, o sofrimento pessoal.
Outro dia precisando me hospedar num hotel próximo ao lugar onde iria passar dois dias a trabalho, no Rio de Janeiro, fui acomodado por algumas horas no único apartamento disponível, o de deficiente físico.
Tendo que me adaptar àquelas diferenças pude então avaliar quão difíceis são as horas de todo dia de um cadeirante.
Já repararam na dificuldade que tem sido para uma pessoa que se locomove numa cadeira de rodas embarcar num ônibus?
Não só os ônibus, quase sempre, não são adaptados como os comuns mortais com braços e pernas normais ainda costumam reagir com impaciência para não se dizer com intolerância.
A cena mais triste que vejo com certa freqüência é a de uma senhora imobilizada numa cadeira de rodas de frente para o lago, na península, vendo o desfile das atletas e dos atletas do amanhecer em passos rápidos ou em corrida acelerada. Ela pode até gostar. Talvez seja essa a sua grande possibilidade de respirar ar puro à luz do sol. Eu acho uma maldade da vida.
Só quem passa ou já passou pela necessidade de um atendimento urgente num hospital e escapa com vida é quem sabe melhor sobre a vergonha que é hoje a saúde no Brasil, e mui especialmente no Maranhão.
Escrevo estas mal digitadas linhas daqui de uma enfermaria da emergência de um hospital em São Luis, onde a Eurídice está internada. Só quem passa por uma dessas, que nem ela agora,e eu ao seu lado, pode saber bem e melhor dizer.
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