quinta-feira, 22 de março de 2012

Estatutos

Proibições são comuns e se estão escritas então, amigo, amiga, ou você aceita ou vai para a desobediência civil.

A nossa tradição constitucional inscreve um principio chamado reserva legal – ninguém será obrigado a fazer ou a deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.

Isso levado ao pé da letra assim numa leitura literal que nem muitos fazem inclusive lendo a Bíblia nos colocaria num espaço infinito de permissões porque, consoante outra regra, tudo que não é expressamente proibido nos é permitido fazer.

Daí as normas subsequentes como Estatutos, Regulamentos, Portaria, Avisos e toda uma genealogia de ordens que nos são impostas ao exercício da nossa cotidiana cidadania.

Muito antes dos generais da ultima ditadura militar editarem os seus Atos Institucionais e seus subsequentes Atos Complementares, Decretos-Leis e quejandos com os quais encurralavam a República fazendo pouco caso da democracia e emparedando a sociedade civil, o Billy Blanco já havia instituído o Estatuto da Gafieira, o qual mesmo na ditadura seguiu em vigor.

Ordena ainda hoje a lei maior das gafieiras:

Moço, olha o vexame / o ambiente exige respeito / pelos estatutos da nossa gafieira / dance a noite inteira / mas dance direito.“

Sempre que deparo com alguma proibição idiota, mesmo as que aparecem em forma de lei, e não são poucas, me vem à mente o Estatuto da Gafieira.

A melhor camaroada em São Luis do Maranhão era a do Germano. Quem fosse à Ilha do Amor e voltasse de lá sem poder dizer que não provou da sopa de camarão do Germano seria o equivalente a ir a Roma e não ver o Papa.

A última vez na vida que o doutor Tancredo foi ao Maranhão foi comigo, ele era ainda Senador, mas já sendo chamado de Presidente, e eu o levei à Base do Germano, no bairro da Macaúba.

O Germano era um policial – militar, de bons modos e ao mesmo tempo grosso em alguns repentes, cozinheiro do quartel, que detinha em segredo a fórmula da camaroada, que só ele sabia fazer.

Apresentei o doutor Tancredo ao Germano como o futuro Presidente da República, ele o cumprimentou educadamente, mas sem botar alguma fé no que eu falei.

Quando nos sentamos a uma mesa, o restaurante ainda quase vazio, eis que uma sequencia de avisos pelas paredes nos chamou a atenção, tipo assim – é proibido tamborilar nas mesas, é proibido cantar, é proibido chamar o garçom batendo com uma faca ou talher na garrafa ou no copo, é proibido gargalhar alto e outras proibições que nem deu para ler todas.

Doutor Tancredo perguntou se aquilo era de brincadeira ou para valer. Era para valer, eu disse. Então, vamos pedir uma mesa lá fora, na calçada e o Germano, gentilmente, nos atendeu. Lá fora corria um vento forte de maresia e porcos fuçavam num esgoto a céu aberto.

Eu me lembrei das proibições do Germano em sua Base na Macaúba quando vi hoje num colegiado em Brasília um advogado grisalho que nem eu, sentado ao meu lado, esperando que lhe julgassem um processo, sendo advertido pelo segurança para recolher a barra de cereais porque era proibido comer nas galerias durante as sessões.

O idoso causídico ainda alegou que tinha problemas de tireoide, que era prescrição médica, não adiantou. Um Ministro viu de longe e mandara-lhe a ordem e pronto. Teve que recolher humildemente a sua barrinha de cereais no bolso do paletó.

Na discussão do AI-5, o Professor Pedro Aleixo, que era o Vice do General Costa e Silva, falou contra. Não tinha receios de abusos maiores dos militares. Tinha medo, sim, do autoritarismo do guarda da esquina.

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